ALBRECHT DÜRER Auto-retrato 1498 |
Como é que os políticos se representam através das imagens da própria propaganda política? Que visão do mundo se exprime, por exemplo, nos seus cartazes? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (21 Fevereiro).
Há dias, no final do “Jornal 2” (RTP2), Sandra Sousa conduziu uma breve e muito interessante conversa com Ricardo Pais. O pretexto imediato era a sua encenação da peça Oleanna, de David Mamet (Teatro Sá da Bandeira, Porto, até 17 de Março).
Foi com especial prazer que escutei as palavras concisas de Ricardo Pais sobre o texto de Mamet, explicando, em particular, a sua tão peculiar (e também tão inconfundível) arte do diálogo e sublinhando o desafio que representa para os actores. Para além disso, registo o modo preciso e eloquente com que lembrou uma verdade muito incómoda. A saber: o desinvestimento do Estado na chamada área cultural.
O assunto é árduo e, como é evidente, não “cabia” nos poucos minutos daquela conversa televisiva (nem nas linhas deste texto). Até porque se corre sempre o risco de esvaziar a difícil arte de fazer política, favorecendo a ideia simplista segundo a qual se trata apenas de distinguir os governos que investiram “mais” daqueles que investiram “menos”... e sabemos bem que a cena político-mediática está saturada de debates (?) desse género em que quase todos, de todos os quadrantes políticos, parecem apenas empenhados em encontrar algum radioso soundbyte.
Não querendo fazer extrapolações abusivas a partir das palavras de Ricardo Pais, direi apenas, em termos pessoais, que me parece que o desinvestimento atrás referido está longe de ser meramente financeiro. É, acima de tudo, um elemento estrutural de um universo político, direitas e esquerdas confundidas, que há muito desistiu de pensar culturalmente o mundo.
David Mamet |
Há excepções individuais, sem dúvida. Hoje como em décadas anteriores da nossa vida democrática. Mas também não se trata de multiplicar o simplismo, propondo uma espécie de “quadro de honra” no interior da classe política. Trata-se, isso sim, de perguntar como é que as entidades políticas que nos governam, já governaram ou podem vir a governar, pensam a cultura do país. Mais do que isso: como pensam culturalmente o país.
Será uma derivação esquemática, mas confesso que não pude deixar de recordar estes temas e dúvidas ao contemplar os cartazes que, preparando os próximos actos eleitorais, já começaram a proliferar nas ruas das nossas cidades. E perguntar: como é que os nossos políticos pensam as imagens? Ou apenas: como é que pensam as suas imagens?
Não tenho gosto nenhum em dizê-lo, mas receio que não pensem em nada que tenha a ver com a representação do mundo à sua volta — a começar pela representação de si próprios. Mais uma vez direitas e esquerdas confundidas, todos parecem obedecer aos conceitos criativos (?) de profissionais do marketing que, há anos, os fixaram num cliché único e unívoco: coloca-se uma foto tipo passe do político e ilustra-se com uma frase mais ou menos militante e apelativa.
Acima de tudo, importa que o fundo seja uma cor uniforme, pastel de preferência, não agressiva. Dito de outro modo: não há fundo representado (ou representável) para a imagem do político porque ninguém pensa, ou quer pensar, o contexto em que tudo isto está a acontecer.
Bem sei que a transformação das nossas vidas (já agora, se possível, para melhor) não se faz com cartazes nem se organiza com palavras de ordem. Ainda assim, quando os protagonistas da política acreditam que são aqueles cartazes que vão motivar os portugueses, contrariando, por exemplo, os seus hábitos abstencionistas, sou levado a pensar que há neles a candura chique de quem gosta de proclamar que “vivemos num mundo de imagens”, mas que nunca dedicou um escasso minuto do seu tempo a pensar o que isso pode querer dizer. Ou significar.