Florian Henckle von Donnersmarck, eis um nome a não esquecer: já ganhou um Oscar, em 2007, e está à beira de aparecer entre os nomeados deste ano — este texto foi publicado no Diário de Notícias (19 Janeiro).
O título do novo filme do alemão Florian Henckle von Donnersmarck, Nunca Deixes de Olhar, condensa uma lição que, na infância, Kurt Barnet recebeu da sua tia, Elisabeth. Nos tempos que se seguiram ao fim da Segunda Guerra Mundial, vivendo na Alemanha de Leste, Kurt cresceu num ambiente em que as directrizes oficiais contrariavam qualquer invenção subjectiva na expressão artística — tratava-se de construir o “socialismo real” através da anulação das singularidades humanas. Face a tal conjuntura, Elisabeth ensinou o pequeno Kurt a descobrir os prazeres artísticos: “Nunca deixes de olhar...”
Tudo indica que Nunca Deixes de Olhar vai ganhar outra visibilidade através dos prémios da Academia de Hollywood. De facto, o filme está na lista dos nove títulos da qual sairão os cinco que vão ser nomeados para o Oscar de melhor filme estrangeiro. E se é verdade que Roma, de Alfonso Cuarón, é 99,9% favorito, não é menos verdade que Nunca Deixes de Olhar corresponde ao mesmo desejo primitivo de cinema. A saber: dramatizar as grandes convulsões históricas através dos destinos individuais.
Donnersmarck, convém lembrar, não é estranho a este tipo de experiências. Foi ele que dirigiu As Vidas dos Outros, também sobre a Alemanha de Leste, curiosamente consagrado com o Oscar de melhor filme estrangeiro atribuído em 2007 (referente à produção do ano anterior). Agora, volta a expor-nos as tensões internas de um país que, afinal, tinha medo das suas próprias imagens.
A personagem de Kurt Barnet é tanto mais interessante quanto se inspira na trajectória pessoal do grande Gerhard Richter (n. 1932), por certo um dos maiores artistas visuais da nossa época. Fascinantes são as cenas em que acompanhamos Kurt na tentativa de encontrar respostas para duas perguntas tão básicas quanto essenciais: “Afinal, o que devo pintar? E como?”
Se o leitor se recorda de um filme como A Bela Impertinente (1991), de Jacques Rivette, poderá antecipar um pouco aquilo que encontra aqui. São filmes bem diferentes, como é óbvio, das personagens aos modos de encenação, mas expõem a mesma verdade interior da pintura — descobrimos esses momentos mágicos em que o quadro deixa de ser uma mera acumulação de formas para se transfigurar numa visão do mundo.