terça-feira, novembro 27, 2018

Bernardo Bertolucci (1941 - 2018)

Nome grande da "nova vaga" italiana, retratista das contradições sociais e geracionais, Bernardo Bertolucci faleceu no dia 26 de Novembro, em Roma, vítima de cancro — contava 77 anos.
Com O Último Tango em Paris (1972), tornou-se internacionalmente conhecido, admirado ou vilipendiado, mas tal filme é insuficiente para dar conta do seu universo criativo — até porque o seu desencanto erótico e existencial foi muitas vezes, desde o princípio, confundido com uma experimentação mais ou menos provocatória. Ironicamente, a sua consagração em Hollywood — com os nove Oscars de O Último Imperador (1986) — está, também ela, na origem de alguns equívocos: na verdade, Bertolucci nunca foi um cineasta ligado às lógicas do cinema americano, mesmo quando assumiu algumas das suas matrizes de espectáculo, tal como aconteceu em 1900 (1976), um fresco sobre a Itália na primeira metade do século XX em cujo elenco encontramos nomes americanos como Robert De Niro, Sterling Hayden e Burt Lancaster.
Bertolucci pertence, afinal, à geração que herdou, em linha directa, as experiências do neo-realismo, ao mesmo tempo que as "esquecia" para experimentar novas formas narrativas face a novos universos temáticos gerados pelas mudanças do pós-guerra. Nesta perspectiva, importa recordar que Bertolucci foi assistente de Pier Paolo Pasolini (1922-1975) em Accattone (1961), tendo também colaborado com Sergio Leone (1929-1989) na escrita do argumento de Aconteceu no Oeste (1968).
Antes da Revolução (1964) e Partner (1968) são trabalhos que pertencem a esse fenómeno transversal — em particular, europeu — que levou cineastas das mais diversas origens a encenar os impasses de uma juventude bloqueada entre o conformismo social e as muitas pulsões libertárias da época. Dir-se-ia que tal atitude evoluiu, politicamente, através de O Conformista e A Estratégia da Aranha (ambos de 1970), para desembocar, já depois de O Último Tango em Paris e 1900, na dimensão visceralmente intimista de La Luna (1979) e A Tragédia de um Homem Ridículo (1981).
O impacto comercial de O Último Imperador reforçou a possibilidade do seu autor aceder a projectos de dimensão claramente internacional, envolvendo elencos com nomes muito conhecidos — entre a delicada magia de Um Chá no Deserto (1990), adaptando Paul Bowles, e a retórica de superprodução em O Pequeno Buda (1993), porventura o objecto menos consistente de toda a filmografia de Bertolucci.
Em contraponto, as suas duas derradeiras longas-metragens — Os Sonhadores (2003) e Eu e Tu (2012) — são concretizações modelares de uma visão do mundo em que a solidão das personagens mais jovens sempre surgiu como uma tema perturbante e obsessivo: no primeiro caso, elaborando uma crónica romanesca, em tom de "reportagem", sobre Maio 68; no segundo, encenando uma rapaz e uma rapariga, irmãos, que vivem como os derradeiros sobreviventos do naufrágio social do humanismo.
Entre os prémios honorários que recebeu, incluem-se um Leão de Ouro e uma Palma de Ouro, respectivamente em Veneza (2007) e Cannes (2017).

>>> Trailer de Antes da Revolução + Trailer de Eu e Tu (com Space Oddity, por David Bowie, em versão italiana) + Perfil de Bernardo Bertolucci na PBS.






>>> Bernardo Bertolucci em Senses of Cinema.
>>> Entrevista de 2014 na Film Comment.