O realizador do primeiro Halloween (1978) é também o compositor de várias bandas sonoras dos seus filmes: redescobrir John Carpenter é, por isso, de uma só vez, um gosto cinéfilo e uma aventura musical — este texto foi publicado no Diário de Notícias (25 Outubro), com o título 'John Carpenter: um mestre que criou o seu próprio estilo de terror'.
Face à nova versão de Halloween, assinada por David Gordon Green, torna-se inevitável evocarmos o valor de culto do original, realizado em 1978 por John Carpenter. E não apenas porque Green, claramente, estudou as nuances do estilo de Carpenter no interior do género de terror. Também porque o novo Halloween integra a herança musical do próprio Carpenter que, afinal, é autor das bandas sonoras de muitos dos seus filmes.
Pode mesmo dizer-se que o tema original de Halloween se transformou numa espécie de símbolo sonoro do cinema de terror — a sua vibração electrónica passou a significar a própria perturbação de histórias que encenam a eterna luta entre o Bem e o Mal.
Dir-se-ia que Carpenter criou um pessoalíssimo universo a partir da conjugação de três elementos fundamentais: primeiro, um sofisticado sentido do tempo das acções, dilatando o mais possível os elementos de “suspense”; depois, uma inquietação que nasce da estranheza de cada ser humano face ao seu semelhante; enfim, uma musicalidade narrativa, subtil e elegante, servida por uma hábil montagem de que a pontuação musical é apenas o sinal mais evidente. E tudo isso, pelo menos na primeira fase da sua filmografia, através de produções de pequeno orçamento, herdeiras directas da clássica “série B” — lembremos o exemplo desse verdadeiro objecto de culto que é Assalto à 13ª Esquadra (1976).
Apesar de tudo, a obra de Carpenter nunca ficou presa a um género — e até mesmo no interior do terror, podemos dizer que ele é um individualista que inventou uma zona autónoma de expressão que está longe de se confundir com as regras correntes do género. Afinal de contas, ele é também o cineasta de Elvis (1979), um telefilme sobre Elvis Presley, Nova Iorque 1997 (1981), uma epopeia de ficção científica, ou As Aventuras de Jack Burton nas Garras do Mandarim (1986), aventura delirante produzida na época em que os filmes de Indiana Jones mobilizavam multidões.
Isto sem esquecer que Carpenter assinou The Thing – Veio do Outro Mundo (1982), remake de um título de 1952 que explora de forma exuberante a história de uma entidade realmente “do outro mundo” que tem a capacidade de assumir a forma dos seres humanos que devora — curiosamente, neste caso, a banda sonora é de Ennio Morricone.
Embora, por vezes, com interrupções de alguns anos, o trabalho de Carpenter tem continuado através de produções capazes de encontrar forças (criativas) nas suas fraquezas (orçamentais). Assim nasceram títulos tão interessantes como Eles Vivem (1988), A Cidade dos Malditos (1995) ou O Hospício (2010), este o seu mais recente projecto de longa-metragem.
Em tempos mais recentes, Carpenter tem editado alguns álbuns com os temas (originais ou remisturados) que compôs para os seus filmes, incluindo essa magnífica colectânea que é Anthology: Movie Themes 1974-1998. Por vezes, tal labor prolonga-se através da criação de novas imagens, ou melhor, telediscos capazes de recriar as mais fantásticas ambiências. Vale a pena ver ou rever o pequeno filme que ele realizou para o tema de Christine, o Carro Assassino (1983) — sem esquecer que o próprio realizador decidiu integrar o elenco...