Liv Ullmann PERSONA (1966) |
Estreado na secção de clássicos do Festival de Cannes, o documentário de Margarethe von Trotta sobre Ingmar Bergman chega agora ao mercado cinematográfico português — este texto foi publicado no Diário de Notícias (3 Outubro), com o título 'Redescobrindo o génio de Bergman'.
As efemérides são também uma moda. Não que o calendário as desminta. O certo é que os automatismos da globalização funcionam, não poucas vezes, como banal divertimento “social”, com links a gerar links... e nada a acontecer.
Seja como for, convenhamos que a evocação do centenário de Ingmar Bergman (nasceu a 14 de Julho de 1918, tendo falecido a 30 de Julho de 2007) nos tem proporcionado alguns momentos capazes de nos ajudar a redescobrir um mestre cuja actualidade — temática, estética e simbólica — está longe de ser banal. Até porque, importa também não esquecer, graças a algumas importantes reposições (incluindo as respectivas edições em DVD), o nome de Bergman tem continuado a ser presença viva no mercado português. Estreado em Cannes, na secção de clássicos do festival, aí está Ingmar Bergman – A Vida e Obra do Génio, de Margarethe von Trotta, precisamente uma das abordagens documentais enquadradas pelo centenário do cineasta.
Estamos perante o trabalho de uma discípula. Assumindo a obra de Bergman como uma influência central na sua trajectória artística, a realizadora alemã (revelada em 1975, com A Honra Perdida de Katharina Blum) propõe uma deambulação organizada através de diálogos com personalidades que conheceram Bergman ou nele reconhecem uma referência incontornável do cinema moderno.
É discutível que a “pessoalização” do inquérito seja enriquecedora para o filme: as componentes da obra de Margarethe von Trotta, eventualmente ligadas ao labor de Bergman, acabam por ser tratadas de forma ligeira e, em boa verdade, incompreensível. Algo de semelhante ocorre na conversa com o realizador Ruben Östlund (O Quadrado), reflectindo aquilo que serão as clivagens que a herança bergmaniana continua a gerar nas pessoas que fazem cinema na Suécia, mas sem dizer nada de minimamente consistente sobre os próprios filmes de Bergman.
Seja como for, há um saldo positivo que importa destacar. Através de testemunhos como os de Liv Ullmann, rosto emblemático de títulos como Persona (1966) ou Paixão (1969), ou do cineasta francês Olivier Assayas, evocando o impacto de Bergman nos autores da Nova Vaga francesa, deparamos com o labirinto fascinante, porventura indecifrável, de um criador que, de uma vez por todas, importa libertar de lugares-comuns “intelectuais” ou “populares”. Isto sem esquecer algumas preciosas imagens de arquivo que nos mostram Bergman nos bastidores das rodagens ou durante as suas encenações teatrais — em última instância, o que aqui se evoca e celebra é o trabalho.