Com Ewan McGregor e Léa Seydoux nos papéis centrais, Zoe é um filme capaz de relançar de forma inventiva alguns modelos clássicos da ficção científica — este texto foi publicado no Diário de Notícias (18 Setembro), com o título 'Os robots também amam'.
Decididamente, Drake Doremus (californiano, 35 anos) tem estado a pagar o preço da singularidade dos seus filmes. Recordo, em particular, o belíssimo Iguais (2015), filme que, apesar de contar com Kristen Stewart no seu elenco, passou quase despercebido na maior parte dos mercados (incluindo Portugal).
Quem viu Iguais, recordar-se-á das suas subtis variações sobre matrizes da ficção científica: tudo acontecia num mundo perversamente utópico em que o “progresso” se media pela organização das relações humanas para além desses factores incómodos que seriam as emoções... Agora, através de Zoe, confirmamos que há, de facto, um impulso futurista no trabalho de Doremus, por certo indissociável do seu gosto pela concepção narrativa — mais uma vez, ele surge como co-autor do argumento (em associação com Richard Greenberg).
O essencial acontece em torno de Zoe (Léa Seydoux) e Cole (Ewan McGregor). Enquanto criador de robots, Cole vai experimentar a perturbação imensa que pode nascer do facto de os novos seres mecânicos serem concebidos, não apenas para ajudar os humanos em muitas tarefas do dia a dia, mas também para com eles partilharem os mais convulsivos estados de alma — incluindo o amor e os seus enigmas.
Pensando apenas em produções recentes, não podemos deixar de aproximar Zoe de Ex Machina (2014), filme de Alex Garland com Alicia Vikander no papel central, lembrando também o relançamento destas temáticas no universo televisivo através da série Westworld, criada em 2016 por Jonathan Nolan e Lisa Joy. Em cena está, afinal, um velho assombramento, de uma só vez técnico e filosófico: poderão os produtos da ciência sobrepor-se ao poder dos seus criadores humanos?
Provavelmente, em Iguais, o trabalho de Doremus era mais controlado e homogéneo. Seja como for, perpassa por Zoe uma ambivalência com tanto de fascinante como de inquietante: os corpos, gestos e comportamentos dos robots surgem como um espelho cristalino da própria condição humana. Faz medo. E apela ao romantismo que ainda saibamos celebrar.