I. A manchete do Libération com data de 12 de Setembro dá conta de um drama visceralmente cultural. Ou seja: "Os GAFA não têm todos os direitos". A saber: Google, Apple, Facebook e Amazon podem e devem ser compelidos a respeitar (entenda-se: pagar) os direitos pelos conteúdos que colocam nas suas redes. A notícia surge, aliás, a pretexto de uma reunião de euro-deputados que deverão "pronunciar-se sobre uma directiva que visa compelir os gigantes da Net a pagar pelos conteúdos artísticos e editoriais que utilizam."
II. Curiosa mudança de paradigma ideológico, reduzindo a pó toda uma mitologia mediática em que (quase) todos se enredaram não há muitos anos. Assim, depois da cega celebração dos novos circuitos virtuais — capazes de colocar qualquer ser humano em contacto com qualquer outro ser humano, no interior de uma democracia abençoada por um sopro divino... —, descemos à terra (literalmente), reconhecendo que é preciso pensar a circulação de informação, não como um fenómeno de intocável carisma, antes como um universo de valores e escolhas, quer dizer, um novo sistema cultural e económico.
III. Não terá sido, obviamente, por acaso que, na altura do seu lançamento, o filme A Rede Social (2010), de David Fincher, com argumento de Aaron Sorkin, foi algumas vezes descartado como um objecto pretensioso, apenas empenhado em denegrir Mark Zuckerberg e o seu admirável mundo novo de polegares ao alto — afinal de contas, Jesse Eisenberg nem era assim tão parecido com o criador do Facebook... Agora, os GAFA já não são vistos como os sacerdotes do paraíso virtual, antes surgindo nas assembleias onde se discutem — tentando defender — os legítimos direitos dos cidadãos. Que isso aconteça, eis uma cruel derrota: os legisladores surgem porque a própria dinâmica social falhou. Na verdade, as chamadas redes sociais esvaziaram a dinâmica de pensamento e a capacidade de discussão do próprio espaço social, esse espaço onde não há apenas polegares, mas pessoas inteiras.
[ 2010 ] |