1. Talvez não tenha sido a via mais filosófica para encarar o problema, mas aconteceu. E ainda bem: há poucas semanas, na sequência de um problema técnico, o Libération tinha dado conta daquilo que seria uma momentânea ausência de comentários dos leitores; agora, o jornal francês veio anunciar que o problema técnico (que persiste) não explica tudo: porque "os comentários mais interessantes são muitas vezes anulados por uma enxurrada de comentários menos interessantes, ou que simplesmente nada têm a ver com o assunto", a redacção decidiu suspender a sua publicação, remetendo uma nova resolução para "daqui a alguns meses".
2. É um gesto importante, tanto no plano jornalístico, como em termos simbólicos. Por uma razão dialéctica: primeiro, manter uma atitude de abertura à pluralidade de pontos de vista de que se faz a dinâmica do tecido social constitui um valor intrínseco da imprensa no interior de uma democracia; segundo, tal abertura não pode ceder — em última instância, anulando-se — através do favorecimento pueril de um espaço cego de circulação de "opiniões" em que a irresponsabilidade argumentativa, o anti-humanismo militante ou a mais cruel estupidez comandam todas as formas de descrição e percepção da complexidade do mundo à nossa volta.
3. Ninguém terá uma solução mágica para gerir o dramatismo desta conjuntura. O certo é que não nos fará mal reconhecer que ninguém, dos profissionais do jornalismo aos leitores, se situa fora dela e das suas dúvidas mais delicadas. Por isso mesmo, a atitude do Libération envolve um realismo que importa sublinhar e saudar. A saber: o liberalismo fútil promovido pela ideologia fundadora das redes (ditas) sociais não basta para lidarmos com o labirinto de factos e relações de que é feito o nosso planeta mediático. Talvez seja tempo de pensar que a inteligência não é um adereço pretensioso, mas sim um essencial instrumento ideológico.