sexta-feira, junho 01, 2018

"Star Wars" ou o feminismo contra o feminino

Carrie Fisher — rodagem de Os Últimos Jedi
1 - Como todas as formas de militantismo, também a actual vaga feminista, especialmente importante no universo cinematográfico, corre o risco de contribuir para a banalização, porventura o esvaziamento, dos valores que a fundamentam.

2 - Será preciso repetir que os princípios de igualdade — e a defesa da dignidade — de mulheres e homens não estão em causa? Será imperioso lembrar que a discussão da dinâmica (social & mediática) daquele militantismo não é o mesmo que a legitimação de crimes como aqueles de que é acusado Harvey Weinstein?

3 - Seja como for, notícia recente dá conta de um estudo "científico" sobre o peso das figuras femininas nos filmes da série Star Wars. O estudo seria apenas ridículo, não se desse o caso de favorecer uma visão simplista e redutora de factores necessariamente complexos que vão desde os modos de figuração das mulheres nos filmes até à economia global do cinema.

4 - Assim, segundo notícia publicada no site IndieWire, entre os títulos da saga Star Wars, os mais rentáveis no mercado americano são aqueles que dão mais tempo de ecrã às personagens femininas. A saber: Os Últimos Jedi (2017), O Despertar da Força (2015) e Rogue One (2016) — os resultados decorrem de uma investigação de Becca Harrison, fundadora do Glasgow Feminist Arts Fest.

5 - Poderíamos perguntar se o rigor económico-financeiro não exigiria, no mínimo, que se considerassem (também) os valores relativos determinados pela inflação, possibilidade, aliás, referida no artigo do IndieWire. Curiosamente, tendo em conta essa relativização, A Guerra das Estrelas (1977), o de "menor" presença feminina segundo a contabilidade proposta, é o título mais rentável da saga, com valores que são, contas redondas, duas vezes e meia os de Os Últimos Jedi.

6 - Mas a questão nuclear não será essa. É, isso sim, o facto de se reduzir o feminino a esta aritmética caricatural que, afinal, confunde uma simbologia pueril ("mais tempo de ecrã") com a percepção de todo um espaço cultural & comercial — e uma coisa envolve sempre a outra. Será verdade que em Os Últimos Jedi há personagens femininas em 43% do tempo, enquanto tais personagens ocupam apenas 15% no filme de 1977... Sim, e depois? A vida cultural também já foi reduzida à lengalenga diária das bolsas?

7 - Valeria a pena saber o que Becca Harrison pensa do facto de um filme como Manifesto (2017) ser um clamoroso falhanço comercial, com uma receita acumulada de 161 mil dólares — com os seus 620 milhões, Os Últimos Jedi conseguiu 3.850 vezes mais. Não é verdade que Cate Blanchett interpreta aí os 13 principais papéis, numa ocupação do ecrã que se aproxima dos 100%? Segundo e seguindo o mesmo método, será que podemos proclamar que o domínio absoluto das personagens femininas gera, afinal, o insucesso? Não. Acontece que Os Últimos Jedi foi lançado em 4.232 ecrãs, enquanto Manifesto se estreou em... dez salas! Decididamente, para pensar as relações dos filmes com os seus espectadores, será necessário um pouco mais de exigência analítica. Encore un effort...