É verdade: há cinema grego e, de vez em quando, surge no nosso país — este texto foi publicado no Diário de Notícias (11 Abril), com o título 'Elogio dos realismos'.
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Vivemos um tempo em que se valoriza pouco (e se pensa ainda menos) a velha questão do realismo cinematográfico. Entre outros, dois factores favorecem essa situação: por um lado, os lugares-comuns jornalísticos sobre o cinema “de efeitos especiais” contribuem para uma visão maniqueísta, sem qualquer memória histórica, das linguagens que os filmes utilizam; por outro lado, a omnipresença dos directos televisivos instalou a noção pueril segundo a qual basta ligar uma câmara, algures, colocando à sua frente um repórter com um microfone, para que o real se “reproduza” sem mácula.
Neste contexto, o filme grego Não Me Ames, de Alexandro Avranas, assume um salutar papel pedagógico. E desde logo porque com ele, e através dele, podemos supor que as imagens televisivas sobre os convulsões recentes da Grécia são insuficientes para compreender o país e o seu povo. Como é óbvio, não se trata de negar as perturbantes mensagens que encontramos no dramatismo quotidiano da televisão. Acontece que Não Me Ames pertence ao mesmo presente de onde emanam aquelas imagens, lembrando-nos que a definição de um tempo e um lugar envolve sempre os mais variados registos informativos e narrativos.
Ora, justamente, Avranas recorda-nos a necessidade, de uma só vez social e simbólica, de pensarmos o realismo para além das atribulações mais ou menos sugestivas das câmaras de televisão. Na sua sedução de narrativa policial, aliás elaborada com calculada sofisticação, Não Me Ames reafirma o cinema como instrumento visceralmente ligado ao seu/nosso presente. Mais do que isso: através da sua geométrica austeridade, compreendemos que não há um realismo, mas vários, motivados pelos próprios lugares da sua elaboração. Olhar o mundo à nossa volta é também abraçar essa pluralidade.