quinta-feira, março 08, 2018

A eterna juventude de Agnès Varda

Agnès Varda
[OSCARS]
Ironia paradoxal destes tempos de muitos combates sociais e simbólicos: numa altura em que tanto se discute o feminino e os seus poderes cinematográficos, Agnès Varda, à beira de celebrar 90 anos, persiste como um dos símbolos mais perenes do cinema europeu e, em boa verdade, mundial. Assim ficou provado pelo Oscar honorário que a Academia de Hollywood lhe atribuiu nos Governor Awards (entregues em cerimónia realizada a 11 de Novembro de 2017).
A sua presença nos Oscars deste ano envolve, por isso, o peso singular de uma carreira imensa cujas raízes estão no glorioso período da Nova Vaga francesa. De origem belga (nasceu em Bruxelas a 30 de Maio de 1928), afirmou-se como um nome emblemático desse movimento de renovação e experimentação, a par do seu marido Jacques Demy (1931-1990). A sua longa-metragem Duas Horas na Vida de uma Mulher (1962), centrada numa personagem, interpretada por Corinne Marchand, que aguarda um teste que poderá confirmar uma doença cancerígena, ilustra o paradoxal fascínio de muitas narrativas da Nova Vaga: é uma elaborada ficção, contaminada pelas emoções clássicas do melodrama, ao mesmo tempo que conserva uma contagiante dimensão documental.
Os documentários são, aliás, uma presença regular na trajectória de Varda, incluindo, claro, Olhares Lugares (co-realizado com o artista visual JR) que este ano a levou a Hollywood. Lembremos os exemplos modelares de Os Respigadores e a Respigadora (2000), sobre a decomposição dos mais tradicionais valores da vida rural, e As Praias de Agnès (2008), exercício de delicada introspecção e confessionalismo.
Nos seus trabalhos de ficção, Varda assinou uma série de títulos cuja abordagem das relações masculino/feminino possui uma energia que, em boa verdade, há muito transcendeu o contexto social e os pressupostos formais da sua gestação. Lembremos os casos exemplares de A Felicidade (1965), Páginas Íntimas (1966), Uma Canta, a Outra Não (1977) ou Sem Eira Nem Beira (1985), este centrado numa das melhores interpretações de Sandrine Bonnaire.
Também com uma importante actividade no domínio da fotografia e das artes plásticas (as suas instalações combinam elementos de cenografia teatral com imagens fotográficas e cinematográficas), Varda é uma artista que nunca cedeu às pressões da moda, preservando uma visão individual e humanista que confere ao seu trabalho uma dimensão genuinamente universal. Há nela a juventude de alguém que sabe lidar com as suas imensas memórias, não para minimizar o presente, antes para questionar os seus ecos nas convulsões dos nossos dias. Daí o misto de alegria e desencanto do seu olhar.