O regresso da série Will & Grace constitui um delicioso evento televisivo — este texto foi publicado no Diário de Notícias (18 Fevereiro), com o título 'Cinefilia em tom televisivo'.
O regresso da série Will & Grace (TVCine & Séries) ilustra um momento feliz de uma cultura genuinamente popular, alheia a lugares-comuns populistas. Recorde-se que Will (Eric McCormack) é um advogado de sucesso, homossexual, obcecado pela ascensão profissional, que partilha a sua existência com Grace (Debra Messing), uma decoradora de interiores que continua a procurar o homem ideal, mantendo com Will uma relação que quase parece conjugal...
Na dinâmica da série são essenciais mais duas personagens. Karen (Megan Mullally), é uma predadora sexual, pelo menos na sua imaginação, empregada de Grace sem grande vocação para... trabalhar; Jack (Sean Hayes), o melhor amigo de Will, também homossexual, é um narcisista benigno que vai alimentando o sonho de ser uma grande figura do espectáculo, enquanto os outros lhe resolvem os seus problemas financeiros...
A série estava interrompida desde a oitava temporada, difundida em 2006. Tendo regressado em Setembro de 2017 (nos EUA), conservou o essencial do seu quarteto, explorando com inteligência um quadro de relações em que se reflectem os mais diversos temas sociais, desde a militância gay até à resistência aos avanços do politicamente correcto.
Em todo o caso, Will & Grace está muito longe de um qualquer discurso “profiláctico”. Criada por David Kohan e Max Mutchnick, a série contraria mesmo o pendor moralista de alguns modelos televisivos que se dizem “sociológicos”. Por delicioso paradoxo, a sua ligação ao presente (inventariando, por exemplo, os impulsos conservadores da América de Donald Trump), decorre de um tom festivamente artificioso, enraizado numa brilhante escrita de diálogos e também na mais nobre tradição burlesca de Hollywood.
Megan Mullally, Eric McCormack, Debra Messing e Sean Hayes (na foto, da esquerda para a direita) são todos notáveis nessa arte de compor personagens de contraditória energia: por um lado, vemo-los como bonecos animados de um humor abstracto e contagiante; por outro lado, descobrimos neles, e através deles, muitos sinais de um tempo em que está na ordem do dia a discussão das identidades sexuais e, mais do que isso, a paisagem dos possíveis e impossíveis das relações humanas.
Se quisermos ser cinéfilos, podemos mesmo dizer que as duas actrizes actualizam um modelo clássico de comédia que passa por Shirley MacLaine e Judy Holliday, sendo McCormack uma variação sarcástica de Cary Grant e Hayes um hiper-talentoso herdeiro do génio de Jerry Lewis — grande televisão, admirável arte da narrativa.
>>> Trailer da nova temporada de Will & Grace.