1977: George Lucas e Carrie Fisher |
A estreia de Star Wars: Os Últimos Jedi renova uma certeza: a imaginação de George Lucas deu lugar ao imaginário da Disney — este texto foi publicado no Diário de Notícias (13 Dezembro), com o título 'O império de Lucas que se transformou em empório da Disney'.
Quando começa o novo Star Wars: Os Últimos Jedi, o logotipo da Lucasfilm envolve, de imediato, uma promessa de espectáculo com a chancela lendária de George Lucas. Goste-se muito ou goste-se pouco dos resultados, o certo é que aquelas letras brilhantes e elegantes definem um universo criativo com regras e temas muito próprios.
Seja como for, há uma distância considerável entre tal imagem de marca e as condições de produção em que Star Wars passou a existir. Podemos medi-la através de um número muito concreto: 4,06 mil milhões de dólares (perto de 3,5 mil milhões de euros), precisamente o valor que a Walt Disney Company pagou, em 2012, para adquirir a Lucasfilm.
Não vale a pena sermos demasiado moralistas mas, de facto, algo mudou. Desde logo, a proliferação de sequelas e derivações, com a Disney a estabelecer um verdadeiro plano quinquenal pós-Lucas para gerir o universo Star Wars: um primeiro filme em 2015 (episódio VII), outro em 2017 (episódio VIII, este que agora se estreia) e a conclusão em 2019 (episódio XIX); pelo meio, dois títulos autónomos: Rogue One: Uma História de Star Wars (2016) e Solo: A Star Wars Story (agendado para 2018).
O mais desconcertante é que podemos também considerar o lançamento do primeiro Star Wars, em 1977 como uma ruptura de George Lucas com... George Lucas (numa altura em que não havia preconceitos contra o português, tendo-lhe sido dado o título A Guerra das Estrelas). Na verdade, o homem que viria a criar um dos maiores impérios de produção da história do cinema começou por ser um típico, e muito talentoso, autor da geração dos “movie brats” (Coppola, Scorsese, Spielberg, etc.), apostado em fazer filmes eminentemente pessoais e intimistas.
Estreou-se com uma história de ficção científica de austero orçamento, THX 1138 (1971), num registo bem diferente, visceralmente trágico, daquele que aplicaria na sua saga inter-galáctica [trailer]. Depois, dirigiu American Graffiti (1973), uma deambulação romanesca em torno das vivências da sua própria adolescência, à descoberta de um novo entendimento do amor e da sexualidade pontuado por canções de Chuck Berry, The Platters ou The Beach Boys.
Dir-se-ia que Lucas desistiu de ser um criador confinado ao estatuto de realizador, apostando na consolidação e desenvolvimento da próprio tecnologia que os seus filmes ajudaram a experimentar. As empresas Skywalker Sound (estúdios de som) ou Industrial Light & Magic (efeitos especiais), inicialmente integradas na Lucasfilm, ajudam hoje a definir o empório da Disney como uma das mais poderosas máquinas de produção de Hollywood.
Pelo meio, Lucas envolveu-se em projectos com o seu amigo Spielberg, com destaque para Os Salteadores da Arca Perdida (1981), baseado numa história que escrevera com Philip Kaufman, tendo estado também ligado à produção de títulos como Kagemusha (Akira Kurosawa, 1980) ou Tucker (Francis Ford Coppola, 1988). Se quisermos ser românticos, podemos perguntar que cineasta ele seria se tivesse continuado a fazer filmes de pequeno orçamento.