sexta-feira, setembro 29, 2017

O regresso de "Star Trek" (1/2)

2017
O universo Star Trek surge em mais uma derivação televisiva — este texto foi publicado no Diário de Notícias (23 Setembro), com o título 'O universo "Star Trek" está de volta à televisão'.

A evolução de Star Trek, tanto em televisão como em cinema, é um labirinto de muitas personagens e histórias, nem sempre contadas por ordem cronológica. Simplificando (e simplificando muito), digamos que a interrogação recorrente será: mas afinal o que aconteceu depois das aventuras originais do capitão James T. Kirk e do humano/vulcano Spock (interpretados, respectivamente, por William Shatner e Leonard Nimoy)? Agora, chegou a altura de inverter a pergunta: o que aconteceu... antes? É essa a proposta da nova série Star Trek: Discovery, uma produção da CBS, disponível na plataforma Netflix [desde segunda-feira, dia 25].
1979
A aposta consiste em seguir as peripécias da USS Discovery, dez anos antes dos eventos protagonizados por Kirk e Spock na nave Enterprise da primeira série, originalmente emitida em 1966-69. O que, além do mais, obriga a um acerto de calendários que, antes mesmo da passagem do primeiro episódio, tem levado os fãs a trabalhos “forçados” para actualizar a linha temporal de Star Trek. O site Den of Geek, especializado em tudo o que seja temas e curiosidades da ficção científica, resume a situação através de três pontos essenciais: primeiro, Star Trek: Discovery passa-se por volta do ano 2255 (os tais dez anos antes da série original); segundo, isto significa que estamos cerca de 110 anos antes de Star Trek: The Next Generation (1987-1994), quando a Entreprise é liderada pelo comandante Jean-Luc Picard (Patrick Stewart); finalmente, tudo acontece um século depois de Star Trek: Enterprise (2001-2005), quando a nave tem o seu primeiro comandante, Jonathan Archer (Scott Bakula).
O mais rudimentar bom senso poderá levar a perguntar como é os espectadores se vão entender no meio de tantas referências cruzadas... A primeira resposta estará no próprio fenómeno de culto que envolve Star Trek. Duas referências emblemáticas enquadram tal fenómeno. Desde logo, a referida série original que, já lá vão 50 anos, foi um caso espectacular de popularidade (numa altura em que se destacavam outras séries como Missão Impossível ou Get Smart, ambas, curiosamente, também já adaptadas ao cinema). Depois, o facto de o cinema há muito ter emprestado nova vida ao universo Star Trek: o primeiro filme, intitulado Star Trek: The Motion Picture, dirigido por Robert Wise, foi lançado em 1979; depois, já surgiram mais doze títulos, o último dos quais, Star Trek: Além do Universo, de Justin Lin, teve estreia no Verão de 2016.

Contra os Klingons

Os criadores da nova série, Bryan Fuller e Alex Kurtzman, mostram-se conscientes da necessidade de lidar com essa amplitude temática e mitológica. Aliás, ambos apresentam currículo com passagem pelas derivações televisivas e cinematográficas de Star Trek: Fuller foi argumentista da série Star Trek: Deep Space Nine (1993-99), tendo escrito e produzido vários episódios de Star Trek: Voyager (1995-2001); por sua vez, Kurtzman participou nos argumentos de Star Trek (2009) e Além da Escuridão: Star Trek (2013), precisamente os dois títulos que relançaram a saga nas salas escuras, ambos realizados por J. J. Abrams — isto sem esquecer que Kurtzman dirigiu a nova versão de A Múmia (2017), com Tom Cruise.
2009
Star Trek: Discovery apresenta um conjunto de personagens em que, de acordo com a lógica deste universo, não há um herói individual que se destaque: o que mais conta é a dinâmica do colectivo, agora liderado por uma mulher, identificada como “Número Um”, interpretada por Sonequa Martin-Green (que ganhou notoriedade através da série The Walking Dead). Também aqui, tal como em muitas outras histórias de Star Trek, a Federação dos Planetas, de que a Enterprise se tornará o principal símbolo de vigilância e combate, tem como inimigo principal os Klingons, os humanóides extra-terrestres empenhados em convocar para a guerra as suas 24 “casas”.
Akiva Goldsman, vencedor do Oscar de argumento adaptado por Uma Mente Brilhante (2001), é um dos produtores da nova série. Em entrevista ao site oficial de Star Trek, falou do seu fascínio pela ficção científica, “um maravilhoso espelho carnavalesco da experiência humana”. E não deixou de sublinhar a actualidade simbólica de Star Trek, celebrando a “diversidade” e a “inclusão”. A série é sobre “ a coexistência de culturas, tema que sempre considerei intemporal mas que, agora, me parece de uma fundamental oportunidade”. Dito de outro modo: Star Trek: Discovery começa com 15 episódios, mas pode vir a gerar muitos mais.