Eis uma tradição perversa que, por esta altura, vai afectando o nosso consumo de filmes: dominado pelo poder promocional dos mais fortes (leia-se: os “blockbusters”), o Verão cinematográfico é também uma frágil montra dos produtos mais vulneráveis (entenda-se: alguns lançamentos dos pequenos distribuidores). Surge, agora, o exemplo de Princess, da realizadora Tali Shalom-Ezer, vencedor do prémio de melhor filme israelita no Festival de Jerusalém de 2014, no ano seguinte apresentado nos EUA, na competição de Sundance.
Lançado entre nós como O Lado Oculto de uma Família, este é um verdadeiro melodrama virado do avesso. Razão fundamental para isso: a crescente inquietação que nasce das componentes sexuais da relação de um homem adulto com uma menina de 12 anos, filha da sua companheira. Resistindo a encerrar-se numa qualquer “temática”, o filme é tanto mais perturbante quanto, para lá dessa relação, somos confrontados com a metódica decomposição do próprio espaço familiar, todo ele contaminado por uma sexualidade difusa e promíscua, por assim dizer, sem objecto.
O filme nem sempre sabe contornar uma certa redundância de exposição, como se resistisse a multiplicar os sinais do contexto social em que tudo ocorre; seja como for, a subtileza da composição de Shira Haas na figura da “princesa” é um trunfo importante. As singularidades dramáticas de O Lado Oculto de uma Família são suficientes para que o classifiquemos como um dos “ovnis” mais interessantes desta estação cinematográfica.