quarta-feira, agosto 30, 2017

Robert De Niro & Michelle Pfeiffer

A saga financeira de Bernie Madoff surge, agora, tratada num magnífico (tele)filme — este texto foi publicado no Diário de Notícias (27 Agosto), com o título 'A verdade de Bernie Madoff'.

Nenhuma visão “purista” dos filmes nos pode ajudar a compreender o que está a acontecer no território do audiovisual. Dito de outro modo: algum do melhor cinema está agora na televisão — mesmo que a sua identidade se apresente recoberta pelos rótulos tradicionais de “telefilme”, “mini-série”, etc.
Aí temos o exemplo de The Wizard of Lies, produção da HBO realizada por Barry Levinson (Diner, Rain Man, Bugsy, etc.), a passar na televisão por cabo (TVCine & Séries) com o título Madoff: Teia de Mentiras. Trata-se de um relato da gigantesca fraude financeira de Bernie Madoff, a partir dos primeiros anos da década de 1990, acabando por sonegar 65 mil milhões de dólares aos seus clientes; descoberto em finais de 2008, Madoff foi condenado a 150 anos de prisão (tem actualmente 79 anos).
O filme baseia-se no livro The Wizard of Lies: Bernie Madoff and the Death of Trust (Times Books, 2011), de Diana B. Henriques, resultante de uma investigação que incluiu algumas conversas na prisão com Madoff. Aliás, num discreto golpe de génio, Levinson convidou a autora para interpretar o seu próprio papel face a Robert De Niro, o actor que compõe a personagem de Madoff.
Bernard Madoff
A presença de Diana B. Henriques não desqualifica as notáveis qualidades de um elenco que inclui Michelle Pfeiffer (Ruth, mulher de Bernie), Alessandro Nivola e Nathan Darrow (os filhos do casal), e ainda Hank Azaria (Frank DiPascali, o homem que ajudou Madoff a montar e gerir a fraude, com o desconhecimento da família). Em todo o caso, tal presença é sintomática do grau de verosimilhança que aqui se procura: trata-se de superar qualquer esquematismo moral ou mediático, procurando a pulsação mais íntima dos factos.
Não se julgue que tal projecto narrativo banaliza a monstruosidade do esquema de Madoff, muito menos os seus efeitos devastadores na vida de muitos cidadãos. O filme não procura, nem de longe nem perto, branquear os crimes em questão (e tanto mais quanto, desde a abertura do seu julgamento, Madoff se reconheceu culpado de todos eles). Acontece que Madoff: Teia de Mentiras não exclui o facto de, em 2008, os ecos públicos do escândalo Madoff terem servido também como cortina de fumo lançada sobre a crise financeira internacional e as suas raízes em Wall Street.
No limite, há em tudo isto uma verdade visceral, incómoda entre todas: são os movimentos de dinheiro que determinam (quase) todas as acções humanas. O seu reconhecimento valoriza ainda mais a intensidade das emoções que perpassam no filme de Levinson.