GÖSTA PETERSON Auto-retrato 1966 |
Gösta Peterson, admirável individualista que deixou uma marca profundamente transformadora na história das relações entre fotografia e moda, faleceu no dia 28 de Julho, contava 94 anos — este texto foi publicado no Diário de Notícias (6 Agosto), com o título 'A herança de Gösta Peterson'.
Eis uma efeméride que vale a pena reter: no próximo dia 27 [de Agosto], completam-se 50 anos sobre a edição de The New York Times Magazine [capa à esquerda] em que surgiu na capa Naomi Sims (ilustrando um porfolio de moda). Para além da austera e intemporal elegância da pose, tal publicação envolveu um fundamental simbolismo jornalístico, artístico e social: pela primeira vez, uma publicação de moda fazia capa com uma modelo de pele negra. Para a história, Sims (falecida em 2009, aos 61 anos) ficou mesmo como a primeira “supermodel” afro-americana.
Todas estas memórias foram revisitadas esta semana por causa da notícia do falecimento, a 28 de Julho, de Gösta Peterson, autor da fotografia de Sims [outro exemplo do portfolio no fim do texto]. Mais de três décadas depois da sua publicação, em 2009, seria um dos destaques na exposição do MoMA, “The Model as Muse”; aliás, Sims surgia noutra capa igualmente histórica, na revista Life [capa em baixo, à direita] de 17 de Outubro de 1969 (neste caso, fotografada por Yale Joel).
Gösta Peterson fica quase sempre secundarizado, ou é mesmo omitido, quando se evocam aqueles que, de uma maneira ou de outra, marcaram a evolução das relações entre fotografia e moda. Figuras lendárias como Irving Penn (1917-2009), Helmut Newton (1920-2004) ou Richard Avedon (1923-2004) terão um corpo de trabalho incomparavelmente maior e mais ousado nas suas muitas ramificações criativas. O certo é que Peterson foi um criador capaz de gerar imagens que modificaram as matrizes da moda e, em última instância, a própria percepção social da figura feminina.
A sua proeza mais significativa terá sido a “invenção” de Twiggy. Embora a jovem inglesa (de seu nome verdadeiro Lesley Hornby, nascida em 1949) já estivesse presente nos circuitos europeus da moda, foi em 1967, com a sua chegada aos EUA, que Twiggy se transfigurou num ícone internacional — nesse processo, foi decisiva a sessão de fotografia que realizou com Peterson [foto em baixo], historicamente encarada como aquela que consagrou a sua imagem quase andrógina, olhos grandes e cabelos curtos (os sintomas de tal revolução iconográfica tinham sido antecipados no cinema, em 1966, com Blow-up, a obra-prima de Michelangelo Antonioni).
De origem sueca, nascido em Estocolmo a 25 de Abril de 1923, Peterson estudou ilustração, começando por trabalhar numa agência publicitária. Por sugestão de um familiar, mudou-se para Nova Iorque em 1948. A curiosidade pela fotografia levou-o a começar a usar a sua câmara para registar cenas de rua, num estilo de “reportagem” que, de alguma maneira, iria contaminar o seu trabalho na moda.
Quando olhamos para as suas imagens — publicadas em revistas como a Elle, Esquire ou Harper’s Bazaar —, podemos observar o modo como nos legou uma herança de dessacralização do próprio espaço público. Tal como Robert Doisneau (1912-1994), na Europa, ou Saul Leiter (1923-2013), nos EUA, além dos fotógrafos já citados, Peterson celebrou a elegância e o charme como elementos do quotidiano. Com ele, a moda existe como ritual democrático.
>>> Obituário no New York Times.
Naomi Sims, 1967 |
Twiggy, 1967 |