sábado, julho 29, 2017

Luc Besson: Europa & América

Dane DeHaan, Luc Besson e Cara Delevingne
O francês Luc Besson volta a apostar na possibilidade de desafiar os americanos no seu próprio terreno — este texto foi publicado no Diário de Notícias (24 Junho) com o título 'Blockbuster à moda de Hollywood assinado por um francês'.

Será que a adaptação das aventuras de Valérian e Laureline é uma boa aposta para competir com os “blockbusters” americanos? A pergunta justifica-se, uma vez que estamos perante um projecto com o mesmo tipo de recursos técnicos e ambição espectacular das grandes “máquinas” de Hollywood, mas de raiz europeia, mais especificamente, francesa. Dito de outro modo: inspirado na banda desenhada de Pierre Christin e Jean-Claude Mézières, Valérian e a Cidade dos Mil Planetas é a mais recente proeza do produtor/realizador Luc Besson, neste caso acumulando as tarefas de argumentista.
Nas contas do mercado americano, decisivas para um objecto desta dimensão, os primeiros números indicam que Besson dificilmente conseguirá o sucesso de alguns dos seus títulos anteriores, nomeadamente O Quinto Elemento (1997), também uma aventura de ficção científica, com Bruce Willis no papel central. Estreado no dia 21, nos EUA, o filme ficou-se por um modesto quinto lugar no top de receitas, com um total de 17 milhões de dólares — é um valor muito fraco para um investimento de 200 milhões (cerca de 170 milhões de euros), segundo a revista Forbes a “maior produção de sempre do cinema europeu”. A comparação com a performance de Dunkirk, lançado no mesmo dia, é elucidativa: o épico de guerra de Christopher Nolan (já em exibição entre nós) custou 150 milhões de dólares, tendo rendido uns sólidos 50 milhões no fim de semana de abertura.

Sob o signo de Hollywood

Estamos, de facto, perante o tipo de aventura que, muito por acção do marketing de Hollywood, se transformou em componente “obrigatória” do Verão dos mercados internacionais. Aqui encontramos, algures no século XXVIII, um par mais ou menos romântico — interpretado por Dane DeHaan e Cara Delevingne, respectivamente Valérian e Laureline — numa missão inter-galáctica que os conduz ao planeta Alpha, um exemplo modelar de convivência de espécies provenientes de “mil planetas”.
A missão dos heróis não se esgota nos problemas de Alpha: face aos dramas que se deparam, está em jogo... “o futuro do universo” — assim mesmo, tal como está escrito na sinopse oficial, disponível no site do filme (valerianmovie.com). Dir-se-ia que os “blockbusters”, americanos ou europeus, gastam todas as energias, e também os seus monumentais orçamentos, na gestão dos complexos efeitos especiais, menosprezando o tratamento narrativo — o universo vai ser destruído e... chega.
Paradoxalmente ou não, o principal trunfo de Valérian e a Cidade dos Mil Planetas é a sua concepção visual. As imagens geradas por computador (CGI), permitem a criação de mundos alternativos, habitados por personagens caracterizadas pelas mais inesperadas variações sobre os parâmetros e formas do corpo humano.

A dança de Rihanna

As sequências iniciais são, sem dúvida, as mais sugestivas. As paisagens paradisíacas do planeta ameaçado pelos exércitos do Mal nascem de derivações “poéticas” sobre elementos da nossa natureza (areia, oceano, plantas, etc.), num jogo de formas e cores que, certamente não por acaso, faz lembrar os cenários, igualmente virtuais, utilizados por Besson em Love Profusion (2003), o belíssimo teledisco que dirigiu para a canção de Madonna. Os habitantes desse mundo ameaçado, pele cor de mármore e olhos muito brilhantes, surgem como uma sugestiva variação sobre os seres azuis, longilíneos, do filme Avatar (2009), de James Cameron.
Dir-se-ia que este obsessivo investimento no “look”, aliás sustentado por um sofisticado trabalho de direcção fotográfica do veterano Thierry Arbogast, colaborador habitual de Besson, vai secundarizado o labor específico dos actores. Dane DeHaan nunca consegue, nem mesmo através da ironia, emprestar algum fulgor ao seu Valérian, sendo sempre superado pela mais competente Cara Delevingne.
Em qualquer caso, Besson parece ter acreditado que a escolha de alguns nomes de prestígio para papéis secundários poderia ser um trunfo comercial. Clive Owen e Ethan Hawke fazem o que podem, o primeiro na figura de um militar, o segundo numa composição mais ou menos burlesca como patrão de um bizarro cabaret. A presença mais insólita é Herbie Hancock, lenda viva do jazz, interpretando o Ministro da Defesa como quem está a ler o teleponto de um noticiário televisivo...
Sobra a convidada mais especial: Rihanna. A super-estrela pop surge, não para cantar, antes para interpretar uma bailarina de nome Bubble, principal atracção dos espectáculos apresentados pela personagem de Hawke. O seu número de dança e transfiguração, dir-se-ia um teledisco puramente onírico, distingue-se por uma energia contagiante, a energia que, infelizmente, falta a quase todas as outras cenas do filme.