BILLIONS: Damian Lewis e Paul Giamatti |
"Mercados" financeiros? "Mercados" e mais "mercados"... Já não há pessoas? — este texto foi publicado no Diário de Notícias (7 Maio), com o título 'Os “mercados" e as suas narrativas'.
De que falamos quando falamos dos “mercados” financeiros? A resposta parece evidente, quanto mais não seja porque todos os dias, em todo o espaço mediático, as suas actividades são amplamente referidas — somos mesmo tratados como iluminados especialistas dos valores, circuitos, conversões e reconversões das moedas de todo o mundo.
Apesar disso (ou por causa disso mesmo), seria interessante avaliar qual a percepção dominante desses mesmos “mercados”. Colocando a questão de forma mais básica: até que ponto, e de que modo, o cidadão comum compreende os labirintos através dos quais o dinheiro circula?
Se outros méritos não tivesse, a série Billions (TV Séries) serviria, pelo menos, para expor os limites da informação financeira que domina o espaço mediático. Porquê? Porque todas as atribulações inerentes aos movimentos financeiros são encenadas, não em função de abstracções técnicas, antes apresentando pessoas de carne e osso.
Billions valoriza o factor humano, seguindo duas personagens emblemáticas: Bobby Axelrod (Damian Lewis), um gestor de fundos cujo cumprimento da lei é, por assim dizer, elegantemente perverso, e Chuck Rhoades Jr. (Paul Giamatti), o procurador de Nova Iorque apostado em desmontar o seu império. Aliás, há no seu confronto qualquer coisa de um velho western, devidamente pontuado por uma terceira e decisiva personagem: a mulher de Chuck, Wendy Rhoades (Maggie Siff), psiquiatra da empresa de Bobby cuja fundamental função é consolidar a performance dos respectivos empregados.
Lembremos o óbvio: Billions não é, nem pretende ser, uma tese universitária. Acontece que o poder de uma narrativa se mede também pela sua capacidade de discutir a ilusória transparência do real. Em tempos de inflação informativa, a reflexão sobre a abordagem meramente “técnica” dos movimentos financeiros afigura-se mesmo um fascinante desafio narrativo tanto para cinema como para televisão.
Não é muito popular dizê-lo, mas têm sido frequentes os casos em que as narrativas audiovisuais arriscam encarar e pensar a complexidade dos grandes fenómenos colectivos, muito antes de o espaço mediático nos servir tal complexidade em forma de “obrigatória” catástrofe. Billions pode ser um bom exemplo. Como foi, em 2010, o filme A Rede Social, de David Fincher, sobre Mark Zuckerberg e o nascimento do Facebook. Agora que as boas consciências políticas descobriram que é preciso reflectir sobre o poder social do Facebook, importa perguntar: ninguém reparou no filme de Fincher?