quinta-feira, abril 06, 2017

Novas edições:
London O'Connor, O∆



As facilidades de produção que as tecnologias colocaram ao serviço dos músicos e as hipóteses de comunicação e distribuição que a internet igualmente trouxe alargaram em muito as possibilidades de muitos outsiders em criar os seus discos (ou como lhes quiserem agora chamar) e de os fazer chegar as seus públicos. A ideia do outsider foi-se assim diluindo, o que não impede que, mesmo assim, e de vez em quando, entre em cena alguém decididamente não alinhado (em modas, em vagas, em circuitos, em hypes) e nos lembre como, por vezes, é das ideias e vivências mais aparentemente alienígenas que surgem algumas pistas com sabor a algo verdadeiramente novo... E por isso mesmo vale a pena assinalar a estreia em disco de London O’Connor como uma peça maior entre a vasta oferta de novidade que, a cada dia, junta torrentes de bytes ao corpo digital global pelo qual chegam os sons que vamos escutando.

Com 26 anos London O’Connor não é propriamente um iniciado. Até porque o seu álbum de estreia O∆ (lê-se circle-triangule) conta já dois anos de vida, tendo surgido em 2015 por auto-edição via SoundCloud. A sua edição, agora, também em suportes físicos, materializa e dá agora uma visibilidade maior a um artista e a um quadro de ideias com todos os ingredientes certos para conhecer merecido destaque em 2017.

Quem é London O’Connor? É um ser errante, que (como pelo menos contam as mais recentes peças jornalísticas) anda de casa de amigo em casa de amigo, dormindo em sofás, transportando pouco mais do que o seu skateboard e uma mochila e, nos últimos tempos, tem usado a mesma roupa amarela... Nascido e criado na Califórnia, hoje com vida em Nova Iorque, apresentou nestas suas canções uma carta de apresentação que traduz, com um sentido de tocante verdade a expressão de vivências suburbanas. O facto de um dia ter revelado online o seu número de telemóvel, preferindo o contacto pessoal às trocas de mensagens em redes sociais, diz muito da busca por uma expressão o mais fiel possível de identidade. E essas marcas estão depois expostas quer nas palavras das suas canções – onde domina o canto mas está também presente um registo mais falado e próximo dos modelos da cultura hip hop – quer em entrevistas onde explica porque gosta de usar sempre a mesma roupa (porque, como ele mesmo diz, não perde tempo assim a pensar no que não é fulcral) ou reflete sobre questões identitárias (e é bem interessante quando nos explica porque não se identifica com a ideia de que ser homem significa embarcar numa busca por posse e poder).

E depois há a música... Sim, e O∆ traduz afinal a mesma carga de busca de verdade e de afirmação de identidade que habita as palavras que canta e as frases com que vai dando respostas nas entrevistas. Eletrónicas (aparentemente lo-fi num primeiro confronto, mas na verdade alvo de um cuidado e atento labor de detalhada produção), batidas e voz unem-se em canções que cativam desde logo pelo sentido único e raro que respiram. Lembram o sentido de urgência e sedutora fragilidade de algumas das primeiras canções de Beck no modo como expressam identidade e abrem frestas diferentes embora partilhando referências, sons e expressões que são comuns a outras frentes de criação em vivências urbanas e consumos de cultura pop do nosso tempo (Star Trek é uma delas, como se escuta no interlúdio que antecipa Love Song). Elementos R&B, pop eletrónica, hip hop cruzam-se entre as referências que London O’Connor assimila para depois transformar em peças nascidas na solidão de um quarto, capazes por isso de captar as mais íntimas confissões. Ao mesmo tempo, ao escutar um tema como Guts ecoam aqui também todo um conjunto de heranças primordiais da cultura indie (antes da formatação que nos últimos anos reduziu muito desse universo a aborrecidos denominadores comuns).

Os 28 minutos de duração do álbum (e que bom é ter obras curtas, mas boas) não escondem depois o trabalho atento de moldagem das ideias sonoras em jogo. E vale a pena revelar aqui que London O’Connor se mudou para Nova Iorque para estudar no Clive Davis Institute e que chamou à mesa de mistura deste álbum o talento veterano de Rob Powers, que trabalhou ao lado de nomes como os dos The Roots ou Erykah Badou. Entremos assim no universo de London O'Connor... Que começamos a descobrir, assim, na sua... fase amarela.