domingo, março 19, 2017

A personagem gay
de "A Bela e o Monstro"

A. Onde irá parar a agitação em torno da homossexualidade da personagem de LeFou, interpretada por Josh Gad na nova versão de A Bela e o Monstro? Bastou que o realizador, Bill Condon, tivesse declarado à revista Attitude que LeFou tem direito a um "momento gay" para que se instalasse um aparato de "detecção" sexual que parecia condenado apenas ao mais básico ridículo... Mas não, o fenómeno cresceu, havendo salas nos EUA a resistir à exibição do filme e até uma exigência de corte de uma sequência na Malásia (hipótese, importa sublinhá-lo, liminarmente recusada pela Disney). O próprio Bill Condon, em entrevista ao site 'Vulture', já declarou que se tratava de um "pormenor", revelando-se "farto" do assunto.

B. O mais bizarro em tudo isto é que (quase) ninguém lembra que toda esta agitação só pode ser explicada através do exacerbar de uma questão de detalhe num grande drama "social" — as redes virtuais e alguma imprensa são os protagonistas do costume. Será que cada vez que surgir em algum contexto narrativo uma personagem inesperada (ou atípica nesse contexto), vai ser preciso fazer "teoria" sobre o assunto? Será que vamos ceder à ideia (?) segundo a qual a importância das narrativas depende da gravidade (!) dos seus assuntos? Corremos o risco de, também aqui, deixar triunfar a mentalidade normativa e cínica dos argumentistas da mediocridade telenovelesca que gostam de proclamar que convocam temas muito "sérios"... Que temas? A homossexualidade e o aborto...

C. Fenómenos deste género arrastam sempre o mesmo tipo de efeitos redutores. A saber: a partir do momento em que a personagem de LeFou surge envolvida numa espécie de batalha ideológico-sexual, a primeira coisa que se apaga é a singularidade do seu comportamento no interior do próprio filme — desvirtua-se o filme para promover um "debate" sobre coisa nenhuma. Entenda-se: não se trata de reconhecer, muito menos de "demonstrar", que LeFou é (ou não é) homossexual — aliás, se for, qual é o problema? Trata-se, enfim, de lhe reconhecer o direito a existir como personagem, seja qual for a sua sexualidade.