A chegada de Ghost in the Shell é pretexto para uma breve deambulação por alguns dos títulos marcantes na carreira de Scarlett Johansson — este texto foi publicado no Diário de Notícias (25 Março), com o título 'De musa de Woody Allen a estrela dos filmes da Marvel'.
A partir de Match Point, a imagem “sexy” da actriz passou a ser uma componente da sua identidade no interior da indústria do “entertainment”: a Viúva Negra dos filmes da Marvel será mesmo a sua ilustração mais óbvia. E se é verdade que tais composições estão longe de constituir as proezas mais brilhantes da sua carreira, não é menos verdade que foi através delas que Johansson se consolidou como grande trunfo comercial de Hollywood.
Paradoxalmente, o seu papel mais “sexy”, ou mais subtilmente erotizado, aconteceu na ausência da imagem. Foi nesse filme visionário que se chama Her – Uma História de Amor (2013), escrito e dirigido por Spike Jonze. Nele se encena a relação de um desencantado escritor, interpretado por Joaquin Phoenix, que povoa a sua solidão através da interacção com o seu computador, dotado de um sistema operativo com inteligência artificial. O sistema responde pelo nome de “Samantha” e quem lhe dá voz é Johansson — raras vezes a pulsão amorosa e o desejo sexual foram tratados de modo tão vibrante e também tão “invisível”.
Numa calculada gestão de contrastes, a actriz tem sabido combinar os “blockbusters” da Marvel com projectos como o de Jonze, obviamente devedores de um radical espírito de independência. É o caso de Under the Skin/Debaixo da Pele, de Jonathan Glazer, assombrado e assombroso drama de ficção científica que surgiu em muitas listas dos melhores filmes de 2013, Salve, César! (2016), retrato cáustico dos bastidores de Hollywood assinado pelos irmãos Coen, ou ainda Rough Cut, comédia negra dirigida pela estreante americana Lucia Aniello, que deverá chegar às salas nos meses de Verão.
O seu curriculum inclui participações importantes na televisão (este ano, por exemplo, apresentou pela quinta vez o programa de humor Saturday Night Live), na área musical (lançou o álbum Anywhere I Lay My Head em 2008) e no teatro (em 2013, na Broadway, protagonizou Gata em Telhado de Zinco Quente).
Scarlett Johansson parece ser uma das derradeiras representantes de um modelo de “star”, de aparência frágil e admirável energia interior, cujas raízes estão na idade de ouro de Hollywood. Alfred Hitchcock gostaria, por certo, de filmar com ela. Vimo-la, aliás, no filme Hitchcock (2012), de Sacha Gervasi, sobre os bastidores da rodagem de Psico (1960), um dos títulos mais lendários do mestre do suspense — Johansson assumia a figura da actriz Janet Leigh e, mais do que uma interpretação, dir-se-ia uma reencarnação.