Jack O'Connell e George Clooney MONEY MONSTER |
Como falar de Donald Trump sem pensar na sua dimensão televisiva? Eis uma pergunta que os membros da classe política não enfrentam — esta crónica foi publicada no Diário de Notícias (12 Fevereiro).
Pergunto-me se o leitor terá visto Money Monster, filme realizado por Jodie Foster, com George Clooney, Julia Roberts e Jack O’Connell nos papéis principais (estreado em Maio de 2016 e, entretanto, já disponível em DVD). De facto, apesar dos nomes envolvidos, passou mais ou menos despercebido. Nem mesmo a sua abordagem do populismo televisivo suscitou especial atenção.
Recordo a sua linha básica: Clooney interpreta o apresentador de um programa (“Money Monster”) que, em tom de espectáculo ligeiro, analisa os mercados financeiros, sugerindo aos espectadores os bons investimentos... Até que um dia, um jovem cuja vida ficou destruída por um desses investimentos entra no estúdio, em directo, com uma arma na mão...
Terá prevalecido um juízo de valor negativo sobre a realização de Foster, tida como ligeira e até irresponsável. Estou longe de concordar com tal ponto de vista — penso mesmo que, além de uma extraordinária actriz, ela é também uma cineasta de fina inteligência —, mas não é essa a questão. Acontece que as nossas sociedades raras vezes mostram alguma disponibilidade para pensar o papel (social, justamente) dos dispositivos televisivos.
Veja-se, ou melhor, escute-se o silêncio ensurdecedor com que se tem passado ao lado da dimensão televisiva do “fenómeno Trump”. Nem mesmo o facto de Donald Trump ter consolidado a sua imagem pública através de um “reality show” (14 temporadas de The Apprentice, na NBC) parece motivar os analistas no sentido de, pelo menos, nomear o poder da “caixa que mudou o mundo”.
Claro que qualquer sugestão nesse sentido tende a ser automaticamente atacada por um outro discurso (igualmente populista) segundo o qual os “intelectuais” tendem a demonizar a televisão. Essa é, aliás, uma maneira cínica de recalcar os contrastes que estão em jogo: por um lado, é no espaço televisivo que encontramos alguns dos fenómenos mais fascinantes do audiovisual contemporâneo; por outro lado, importa saber se isso nos dispensa de pensar a degradação humana e humanista que ocupa horas e horas dos nossos ecrãs (exemplo quotidiano: a visão obscena da sexualidade promovida pelo Big Brother e seus derivados).
O problema é suficientemente complexo para evitarmos cair na ingenuidade de supor que Trump “sem televisão” seria um detalhe insignificante. O problema começa no facto de a dimensão televisiva de uma figura pública poder ser uma componente essencial de poder. Estranhamente, os membros da classe política (direitas e esquerdas) têm medo de lidar com tudo isto.