Ainda é cedo para criar um olhar mais amplo e crítico sobre a sexta temporada de Homeland (que arrancou esta semana na Fox), série que representa uma das mais interessantes criações do panorama atual da ficção criada para o pequeno ecrã tendo conseguido, época após época, solidificar e aprofundar tramas em torno das suas personagens principais sem ao mesmo tempo descuidar a construção de um sólido arco narrativo a cada ano, por ele passando sempre ecos dos focos de instabilidade do mapa político mundial contemporâneo.
Sabíamos já que a ação seria devolvida a solo americano depois de algum tempo vivido entre o médio oriente e, na última temporada, a cidade de Berlim. O que não sabia a equipa de argumentistas, de casting e de realização, quando estavam a escrever, escolher elenco e a filmar os episódios da sexta temporada, era que, contra o que se previa, a Casa Branca recebe em 2017 não uma mulher, mas sim Donald Trump. E o cunho de atualidade que a ideia de termos, também aqui, uma mulher como presidente-eleita, em tempo de espera pela tomada de posse, traduziu afinal um daqueles momentos em que a realidade acabou por ultrapassar a ficção. Mas a figura de Elisabeth Keane, uma senadora de Nova Iorque (olhem só a coincidência com Hillary Clinton) que foi eleita para a presidência parece ser mesmo assim uma das peças mais interessantes das novas que este primeiro episódio colocou em jogo. É desde logo um golpe certeiro a escolha da atriz Elisabeth Marvel para o papel... Basta que nos lembremos da terceira e quarta temporadas de House of Cards para recordarmos como ali vestiu brilhantemente o papel de Heather Dunbar, que disputava com Frank Underwood a nomeação pelos democratas. Ou seja, a ressonância desses ecos presidenciáveis acaba por estar na nossa memória recente e vê-la, agora, presidente-eleita (mesmo com uma outra personagem numa outra série) acaba por carregar essa herança de familiaridade. Mesmo assim, mais do que a escolha da atriz, o mais interessante a acompanhar nesta presidente-eleita parece ser o modo como, e aqui ao contrário do que seria de supor em Hillary, ela parece não seguir muitas das opções habitualmente em cena nas questões de política internacional. Tem assim uma pitada de, eventualmente, Sanders ou até Trump, embora com devidas distâncias. Veremos como evolui nas cenas dos próximos capítulos. E que implicações tem o novo tabuleiro de xadrez político nas relações internas na CIA, que terão expressão aqui através das figuras de Dar Adal (F. Murray Abraham) e de Saul Berenson (Mandy Patinkin).
O outro foco interessante a seguir tem a ver com sinais de islamofobia que habitam a detenção de um jovem negro muçulmano, filho de emigrantes mas já cidadão americano e que, apesar de ter uma consciência crítica, até ver parece mais ser uma voz de protesto do que uma eventual ameaça terrorista. Também aqui há que ver o que os próximos episódios nos dizem. É precisamente em volta deste jovem que reencontramos a figura (central) de Carrie Mathison (Claire Danes), que regressou aos EUA e trabalha num centro que procura zelar pela integração social de muçulmanos residentes na área de Nova Iorque.
Ela estará certamente no epicentro da trama, devendo a evolução da narrativa juntar a dimensão política nacional (em vésperas de tomada de posse) e uma eventual ameaça de segurança (ou o receio de que ela possa existir, ainda não sabemos) à continuação de uma atenção pela dimensão mais pessoal do seu quotidiano, quer pelo facto de estar ela a educar a filha, quer na órbita de Peter Quinn (Rupert Friend), que recupera num hospital das sequelas da violência a que foi sujeito em Berlim e cujo relacionamento com a protagonista gerou os momentos de mais intenso jogo de emoções no relativamente tranquilo episódio de estreia da sexta temporada... Mas não me cheira que a coisa se mantenha calma daqui em diante... Para já, começou bem.
A sexta temporada de "Homeland" é exibida às quartas-feiras, pelas 22.10 na Fox.