Marion Cotillard, Brad Pitt e Robert Zemeckis |
Subitamente, com assinatura de Robert Zemeckis, um grande retorno aos valores do melodrama de guerra — este texto foi publicado no Diário de Notícias (30 Novembro), com o título 'Melodrama de guerra renasce com Brad Pitt e Marion Cotillard'.
Será que neste nosso admirável mundo global até mesmo um filme como Casablanca, realizado por Michael Curtiz em 1942, já começou a ser desconhecido da maior parte dos espectadores? A pergunta não é banalmente nostálgica, mas visceralmente cultural. A saber: será que até mesmo a nobreza clássica de Hollywood está a ser esmagada por uma noção de cinema popular que se esgota em Harry Potter e seus companheiros mais ou menos monstruosos? Vem isto a propósito de alguém, Robert Zemeckis, que arrisca, precisamente, fazer um filme como Aliados [Allied], evocando e invocando a grande tradição do melodrama de guerra de que Casablanca continua a ser, apesar de tudo, o símbolo mais universal.
Para evitar confusões, Zemeckis situa mesmo a primeira parte do seu filme em... Casablanca! Humphrey Bogart e Ingrid Bergman não passam de uma memória inacessível, mas o seu simbolismo romântico surge revisitado por um novo par, Brad Pitt e Marion Cotillard, vivendo também uma aventura em que a frieza dos jogos de espionagem se combina com as intensidades do impulso amoroso.
Digamos, para simplificar, que se trata da história de um par assombrado. Max Vatan (Pitt) é um oficial canadiano que recebe a missão de assassinar o embaixador alemão em Casablanca, para tal contando com a colaboração de Marianne Beauséjour (Cotillard), das fileiras da Resistência francesa. Missão cumprida, apaixonam-se e vão viver para Londres até que, um dia, já casados e com uma filha, ainda sem se vislumbrar o fim da guerra, Max é informado pelos serviços britânicos de que há suspeitas de Marianne ser uma espia alemã...
No seu esquematismo, este resumo limita-se a corresponder à imagem promocional de Aliados (as peripécias referidas coincidem com as que estão no respectivo trailer). Como qualquer sinopse do género, pouco ou nada nos diz sobre a riqueza dramática do filme. Convém referir, a esse propósito, que Zemeckis contou com a colaboração essencial de um argumentista tão talentoso como o inglês Steven Knight que escreveu, por exemplo, Estranhos de Passagem (Stephen Frears, 2002) ou Promessas Perigosas (David Cronenberg, 2007), tendo também realizado o magnífico Locke (2013), em que Tom Hardy interpretava uma personagem solitária, ao telefone, a conduzir o seu automóvel [entrevista: 1 + 2].
Aliados pode definir-se como uma odisseia sobre as formas de coexistência de verdade e mentira, do desejo e das suas máscaras. Isso é particularmente importante logo no capítulo inicial, em Casablanca, com Max e Marianne a encenarem a relação romântica das suas personagens fictícias (observem-se as cenas no terraço, à noite, em que sabem que a vizinhança espreita os seus beijos e abraços). Tal encenação confunde-se já com a sua própria história de amor, ilustrando essa íntima crueldade que alguém definiu dizendo que “o amor é dar o que não se tem a alguém que não o quer”.