10 Abril 2014 Homenagem na ESTC |
Cineasta, crítico e professor, é uma personalidade central na história da modernidade cinematográfica em Portugal: Alberto Seixas Santos faleceu em sua casa, em Lisboa, na madrugada de 10 de Dezembro — contava 80 anos.
O seu trabalho, tanto quanto a sua visão do mundo, não pode ser dissociado da geração do Cinema Novo (Ernesto de Sousa, Fernando Lopes, Paulo Rocha, etc.), das suas práticas cineclubistas (foi dirigente e animador do ABC Cineclube de Lisboa) e de uma riquíssima intervenção crítica (colaborou, por exemplo, nas revistas Imagem, Seara Nova e O Tempo e o Modo), apostada em novas linguagens a partir de uma sistemática revisão e reavaliação dos clássicos.
A sua primeira longa-metragem, Brandos Costumes (1974), rodada antes mas estreada depois do 25 de Abril, é um objecto radical (no limite, solitário) na exposição paradoxal do imaginário social e familiar do Estado Novo, estabelecendo uma relação dialéctica entre o discurso de Salazar e a hierarquia de uma célula familiar. Gestos & Fragmentos (1982) e Paraíso Perdido (1992) completam uma trilogia sobre a herança salazarista e os primeiros anos da democracia: no primeiro caso, através de um jogo documentário/ficção que convoca as figuras de Otelo Saraiva de Carvalho, Eduardo Lourenço e Robert Kramer (surgindo o cineasta americano como protagonista de um segmento ficcional construído a partir dos enigmas do 25 de Novembro); no segundo, investigando as marcas afectivas e simbólicas resultantes do desmoronar do império colonial.
A sua primeira longa-metragem, Brandos Costumes (1974), rodada antes mas estreada depois do 25 de Abril, é um objecto radical (no limite, solitário) na exposição paradoxal do imaginário social e familiar do Estado Novo, estabelecendo uma relação dialéctica entre o discurso de Salazar e a hierarquia de uma célula familiar. Gestos & Fragmentos (1982) e Paraíso Perdido (1992) completam uma trilogia sobre a herança salazarista e os primeiros anos da democracia: no primeiro caso, através de um jogo documentário/ficção que convoca as figuras de Otelo Saraiva de Carvalho, Eduardo Lourenço e Robert Kramer (surgindo o cineasta americano como protagonista de um segmento ficcional construído a partir dos enigmas do 25 de Novembro); no segundo, investigando as marcas afectivas e simbólicas resultantes do desmoronar do império colonial.
Mal (1999) e E o Tempo Passa (2011) seriam as derradeiras longas-metragens de Alberto Seixas Santos, de alguma maneira reforçando duas componentes essenciais de todas as suas narrativas: a decomposição das relações sociais, especialmente sensível na mercantilização das próprias trocas afectivas, e o esvaziamento do imaginário clássico da juventude. E o Tempo Passa (2011) é mesmo um dos poucos títulos do cinema português que arrisca expor o modo como os valores da telenovela contaminaram a percepção e a existência dos mais jovens.
Para além da fascinante riqueza temática e estética do seu trabalho como realizador, a herança de Alberto Seixas Santos envolve um pensamento sobre os modos de produção de filmes e uma importantíssima dimensão pedagógica. O seu nome fica, assim, ligado à aventura de produção do Centro Português de Cinema (nas décadas de 60/70), à criação da Escola Superior de Teatro e Cinema (onde leccionou ao longo de mais de vinte anos) e também à programação televisiva (tendo assumido, nos anos 80, as funções de director-adjunto de programação da RTP, quando Carlos Pinto Coelho era o respectivo director).
De forma simples, mas contundente, pode dizer-se que Alberto Seixas Santos — em todas as épocas seduzido pelo humanismo de John Ford ou Jean Renoir — manteve um grau de exigência formal em relação à prática cinematográfica que nunca foi abstracto, definindo-se sempre a partir de uma militante observação das contradições internas da sociedade portuguesa. O impulso utópico que nunca o abandonou enraíza-se, afinal, num obstinado olhar realista — quando a Cinemateca apresentou uma retrospectiva da sua obra, em Março de 2016, o título adoptado foi uma expressão que lhe era especialmente cara: "O realismo utópico".