Os atentados televisivos contra a língua portuguesa continuam e nada têm a ver com os erros naturais de cada um — este texto foi publicado no Diário de Notícias (9 Dezembro), com o título 'Qual língua portuguesa'?
1. Que vemos nas imagens rotineiras de A Casa dos Segredos (TVI)? Reconhecemos dois padrões de comportamento: os seus “habitantes” entregam-se a refeições mais ou menos lânguidas e intermináveis ou, então, amontoam-se nas camas enquanto enunciam apoteóticos disparates filosóficos, muitas vezes tratando a língua portuguesa como um “gadget” a ficar sem pilhas, para usar e deitar fora. Que o imaginário social do país seja todos os dias alimentado por tal mediocridade existencial, eis um fenómeno instalado que, como se prova, não suscita a mais leve indignação de quem se define como guardião dos valores mais básicos da nossa identidade. No começo do Big Brother, da Endemol, houve mesmo quem sugerisse que só mesmo alguns perigosos intelectuais se preocupavam com tão “inocente” fenómeno televisivo... Há que reconhecer que a sua demagogia argumentativa triunfou, formatando os que estão dentro da Casa, anestesiando quase todos os que moram noutros lugares.
2. Por estes dias, mais precisamente na transmissão do jogo Manchester United – West Wam, para a Taça da Liga Inglesa (SportTV), voltei a ouvir um comentador dizer que um jogador ou uma equipa “não dava” veleidades a um outro jogador ou à outra equipa... Não vou repetir aqui o significado da palavra “veleidades”, em tudo alheio ao que semelhantes comentários continuam a atribuir-lhe. Nem vou menosprezar o facto de uma locução em directo ser um trabalho delicado, sujeito aos mais naturais e compreensíveis lapsos humanos. O que surpreende é a fixação de erros como este em fórmulas de “análise” que ignoram a fascinante delicadeza da língua portuguesa. Será que, nas redacções, já ninguém escuta aquilo que é emitido? Corrigir não teria nada de humilhante — seria apenas pedagogia.