SENSO (1954) |
Grande acontecimento na área do DVD: a edição das suas cinco primeiras longas-metragens de Luchino Visconti — este texto foi publicado no Diário de Notícias (26 Novembro), com o título 'O drama e o melodrama segundo Luchino Visconti'.
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De melodrama, justamente, é preciso falar a propósito de Belíssima, um dos momentos mais lendários na carreira de Anna Magnani (1908-1973). Na altura, ela era já uma figura nuclear do imaginário cinéfilo italiano, em especial através de Roma, Cidade Aberta. Senhora de uma energia plena de contrastes emocionais, dir-se-ia uma diva da ópera, exuberante e excessiva, mas sempre fiel à verdade mais íntima das personagens do povo.
Em Belíssima, Magnani interpreta uma mulher empenhada em lançar a filha no mundo dos filmes, para tal levando-a aos estúdios da Cinecittà para fazer um teste. Para além da ironia crítica face à produção italiana da época, o filme mantém uma perturbante actualidade pelo modo como expõe a contaminação do espectáculo pelas ilusões da fama e riqueza.
O filme seguinte, Sentimento, tendo por pano de fundo a unificação da Itália (e, em particular, a guerra com a Áustria, em 1866), ilustra uma certa “imagem de marca” de Visconti. A saber: a capacidade de combinar o fresco histórico com as subtilezas melodramáticas ligadas à constituição de um par — neste caso, os míticos Alida Valli e Farley Granger.
O quinto título desta edição, Noites Brancas, menos divulgado, pode constituir uma revelação para muitos espectadores. Com Maria Schell e Marcello Mastroianni, trata-se da adaptação de um conto de Dostoievski (que estaria também na base de Quatro Noites de um Sonhador, realizado pelo francês Robert Bresson em 1971). Acima de tudo, ilustra uma visão do ser humano, por certo marcado pela história colectiva, mas sempre em confronto com uma solidão radical, porventura sem solução. Nessa perspectiva, talvez se possa dizer que Visconti foi um céptico em que a sofisticação formal coabita com o desencanto moral.