Brillante Mendoza continua a ser um observador meticuloso das convulsões da sociedade filipina — este texto foi publicado no Diário de Notícias (3 Novembro), com o título 'Filmar as Filipinas entre documentário e ficção'.
Bem sabemos que os cruzamentos entre documentário e ficção estão longe de ser uma novidade do cinema do séc. XXI. Para nos ficarmos por uma memória muito nossa, lembremos o exemplo modelar de Belarmino (1964), de Fernando Lopes, referência seminal do Cinema Novo português. O certo é que há vários cineastas contemporâneos que, com especial acuidade, têm sabido relançar essa delicada ambivalência do olhar cinematográfico. Um bom exemplo poderá ser o filipino Brillante Mendoza, de quem se estreia agora Taklub, uma produção de 2015.
Estamos, afinal, perante um documentário que se “transfigurou” em ficção. Mais exactamente, Mendoza correspondeu a uma encomenda para registar os efeitos devastadores do tufão Yolanda, em 2013, integrando no seu projecto a história de Bebeth (interpretada pela magnífica Nora Aunor), uma mulher que, através de análises de ADN, tenta confirmar se os seus filhos estarão entre as vítimas que foram enterradas em valas comuns.
A paisagem de destruição é dantesca. Em todo o caso, Mendoza está longe de ceder ao “pitoresco” da destruição que, por vezes, contamina os olhares televisivos sobre contextos marcados por desastres naturais do mesmo teor. O que faz mover os seus filmes são sempre as acções das personagens, mesmo quando estão em jogo detalhes aparentemente secundários (seja a preservação da colecção de canecas decoradas com as fotografias dos filhos de Bebeth, seja o cuidado com que ela salva o frágil cachorrinho Chi e lhe serve uma taça de arroz).
Taklub é um filme cuja intensidade física, de corpos e lugares, se prolonga em Ma’ Rosa, apresentado no passado mês de Maio em Cannes. Curiosamente, trata-se também de uma narrativa centrada numa personagem feminina (uma mãe de família forçada a lidar com a agressividade de alguns polícias corruptos) que, aliás, valeu a Jaclyn Jose o prémio de melhor interpretação feminina no festival. Mendoza continua a afirmar-se, assim, como um cronista do seu país, através de um trabalho em que a obsessiva observação do quotidiano define a base de um olhar crítico, desencantado, de intransigente humanismo.