Uma exposição em França, numa instituição de Aix-en-Provence, refaz a história de Marilyn Monroe através de algumas das suas mais emblemáticas fotografias — este texto foi publicado no Diário de Notícias (22 Outubro), com o título 'A arte de fazer pose segundo Marilyn'.
Foi no Verão de 1957 que Marilyn e Arthur Miller compraram uma casa em Roxbury, Connecticut, onde o dramaturgo já tinha vivido com a sua primeira mulher (Mary Slaterry); Miller trabalhava numa primeira versão de The Misfits/Os Inadaptados, que John Huston viria a filmar cerca de dois anos mais tarde (com Marilyn, Clark Gable e Montgomery Clift). Sam Shaw foi testemunha privilegiada dessa época, tendo-nos deixado uma série de fotografias protagonizadas por uma Marilyn radiosa, sob uma luz de envolvente sensualidade, obtidas na praia de Amagansett.
Se consultarmos as notas escritas por Marilyn no mesmo período, coligidas no livro Fragments (Harper Collins, 2010), deparamos com um misto de tristeza e desespero que contrasta com a felicidade que vemos, ou julgamos ver, nas imagens de Shaw. Há mesmo uma breve reflexão sobre a possibilidade de uma relação humana (com o título “re-relationships”). Salvaguardadas as nuances do original, eis uma tradução possível: “A infância seja de quem for é um factor de ruptura. Não admira que ninguém conheça o outro ou possa compreendê-lo por completo. Ao dizer isto, não sei se estou apenas a desistir através desta conclusão ou a resignar-me — ou talvez, pela primeira vez, a relacionar-me com a realidade.”
São palavras que não desmentem a verdade que (também) está nas fotografias, apenas apontam os seus limites. É esse, afinal, um desafio muito dos nossos dias com que deparamos ao revisitar o universo de Marilyn Monroe. A saber: a imagem não faz o pleno de nada nem de ninguém, nem mesmo da mais exuberante estrela de cinema.
Quando encontramos as palavras que ela realmente escreveu, compreendemos que isso nos aproxima ainda mais da sua identidade, de alguma maneira preservando o seu mistério. Muitas dessas palavras estão escritas a lápis, em folhas de papel com sinais de terem sido arrancadas a algum bloco — como se em tão frágeis materiais ela própria tentasse escapar à eternidade em que a encenamos.