O Cinema, Manoel de Oliveira e Eu |
Com O Cinema, Manoel de Oliveira e Eu, João Botelho recorda a herança de um mestre — este texto foi publicada no Diário de Notícias (13 Outubro), com o título 'A propósito de educação'.
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Segundo a lista oficial do Instituto do Cinema e do Audiovisual, João Botelho tem um dos seus filmes (Os Maias, 2014) no 13º lugar das produções portuguesas mais vistas no período 2004/2016. E, no entanto, o seu discurso sobre o cinema não envolve nenhuma celebração simplista dos números das bilheteiras. Estamos longe, portanto, de qualquer preconceito, pró ou contra, face à eventual grandeza de tais números: afinal de contas, como ele recorda, é verdade que Tubarão (1975), de Steven Spielberg, foi um momento decisivo na mais brutal reconversão dos mercados cinematográficos de todo o mundo, mas isso não impede que Tubarão seja um “grande filme” (eu, em todo o caso, concordo com ele).
Botelho convoca-nos para um retorno ao cinema que supere qualquer visão banalmente economicista dos filmes, sua produção e difusão. A lição colhida em Manoel de Oliveira, condensada no belo filme que agora se estreia — exemplarmente intitulado O Cinema, Manoel de Oliveira e Eu —, consiste, como ele sublinha, em valorizar sempre o acto de filmar como um acontecimento enraizado no domínio da moral. Daí que ele arrisque a palavra “educação” para descrever o domínio último em que o cinema também se afirme e existe.
Permito-me sublinhar essa palavra. E propor uma extrapolação pessoal. Porquê? Porque, a meu ver, o populismo audiovisual dominante impôs uma ideologia da ligeireza e da irresponsabilidade que quer fazer crer que a nossa relação com imagens e sons é um assunto sem importância, fútil e descartável. Discutir o poder educacional dessas imagens e desses sons não é dividir os cineastas portugueses entre os que fazem e os que não fazem “dinheiro”. É tão só não menosprezar o facto de a identidade de um país, qualquer país, passar sempre pelas suas narrativas.