Como se diz no cartaz, "ele assumiu uma causa e inspirou uma revolução": está a passar no canal TV Séries um notável documentário sobre Larry Kramer — esta crónica de televisão foi publicada no Diário de Notícias (7 Outubro), com o título 'O sexo não é tudo'.
Na desoladora rotina da Casa dos Segredos (TVI), tudo é sexo. Sexo mecânico. Sexo instrumental e instrumentalizado. Sexo, dizem eles, para fazer espectáculo e “entretenimento”. Triunfou mesmo a ideia (?) segundo a qual quando mais se aviltar a nobreza do factor humano, mais “entretidos” estão os espectadores.
De facto, o sexo não é tudo. Pode ser mesmo muito pouco para entendermos o que quer que seja. E não precisamos de sair do espaço televisivo para encontrar objectos que nos ensinam uma outra visão da sexualidade. Ou melhor: das sexualidades. Falo de quê? De um espantoso documentário, Larry Kramer: Em Amor e em Cólera (2015), de Jean Carlomusto, a passar no canal TVCine 2 (próximas exibições: dia 12, 16h35; dia 13, 06h50).
No seu centro está o americano Larry Kramer (n. 1935), escritor, dramaturgo, argumentista, personalidade nuclear na defesa dos direitos dos homossexuais (publicou, em 1978, o célebre e polémico romance Faggots). Mais do que isso: como militante da comunidade LGBT, Kramer teve um papel decisivo no combate contra a apatia política e os preconceitos morais que, durante a presidência de Ronald Reagan, condicionaram o conhecimento da sida e o estudo das respectivas formas de tratamento.
Reunindo preciosas informações sobre Kramer (incluindo a evocação da sua peça Um Coração Normal, transformada em filme em 2014 por Ryan Murphy), o documentário de Jean Carlomusto exemplifica uma visão de genuínos valores humanistas, empenhada em lidar com a sexualidade para além de rótulos banalmente sexuais — é o próprio Kramer que sustenta que o conhecimento e reconhecimento social dos homossexuais não pode ser estruturado apenas através do sexo. Que, através de filmes como este, a televisão nos ajude a pensar a complexidade do ser humano, eis um valor precioso que importa defender contra a mediocridade existencial da “reality TV”.