terça-feira, outubro 11, 2016

Andrzej Wajda (1926 - 2016)

Com a morte de Andrzej Wajda, desapareceu uma das figuras tutelares da história moderna do cinema polaco — este texto foi publicado no Diário de Notícias (10 Outubro), com o título 'O cineasta polaco que filmou homens de mármore e de ferro'.

O cineasta Andrzej Wajda faleceu no domingo, cerca de sete meses depois da celebração do seu 90º aniversário. Consagrado com um Oscar honorário da Academia de Hollywood em 2000, foi uma figura tutelar de mais de meio século de história do cinema polaco. O seu legado confunde-se com as convulsões do seu próprio país, uma vez que aplicou o cinema como um instrumento dramático de conhecimento e questionamento dos problemas sociais e políticos.
Nesta perspectiva, é bem possível que as gerações mais novas de espectadores o identifiquem, sobretudo, através do filme Walesa (2013). Centrando-se na trajectória política de Lech Walesa, nele se evoca, muito em particular, o desenvolvimento do movimento Solidariedade, vital para o desmantelar do regime comunista, por fim desencadeando um efeito dominó em diversos países do Leste europeu que desembocaria na queda do Muro de Berlim e no fim da União Soviética.
O HOMEM
DE MÁRMORE
Pode dizer-se que Walesa corresponde a uma derradeira variação sobre um modelo narrativo que marca os momentos nucleares da obra de Wajda. A saber: a evocação das atribulações da história colectiva através de um homem excepcional que, de uma maneira ou de outra, pode simbolizar algumas das mais dramáticas transformações da sociedade polaca.
Assim, Walesa é um sucedâneo daqueles que são, por certo, os momentos mais célebres e emblemáticos da filmografia de Wajda: O Homem de Mármore e O Homem de Ferro, realizados em 1977 e 1981, respectivamente (aliás, no original, Walesa tem como subtítulo “Homem de Esperança”). O primeiro retrata a saga de Mateusz Birkut (Jerzy Radziwilowicz), trabalhador envolvido na edificação da cidade-símbolo do regime comunista (Nowa Huta), desmontando os seus mecanismos de repressão e também a propaganda que promoveu Birkut à condição de herói proletário; no segundo filme, o protagonista passa a ser o filho de Birkut, Maciej Tomczyk (com Radziwilowicz a acumular os dois papéis), agora no cenário dos estaleiros de Gdansk, durante as greves pela consolidação do sindicato Solidariedade.
O estilo de Wajda poderá definir-se como um cruzamento entre o realismo social e o épico histórico. E não será arriscado supor que, para além das condições concretas do seu país (e, em particular, da sua visão crítica do regime comunista), Wajda transpôs para o cinema muito da sua experiência como encenador teatral. Há, de facto, desde os seus primeiros títulos, uma “teatralização” dos lugares e das relações que apela a uma permanente reflexão sobre os (des)equilíbrios entre a dimensão individual e os factos colectivos, afirmando sempre um intransigente humanismo.

Memórias da guerra

Inevitavelmente, para quem conheceu os factos da guerra durante a adolescência, as memórias contraditórias da Segunda Guerra Mundial marcaram o arranque da obra de Wajda (tinha 13 anos quando começaram os combates). Podemos mesmos considerar que, tanto no plano temático como formal, o seu universo artístico se define a partir da trilogia formada por Uma Geração (1955), Morrer como um Homem (1957) e Cinzas e Diamantes (1958). Foi com Morrer como um Homem que obteve a sua primeira distinção internacional: um prémio especial do júri de Cannes (ex-aequo com O Sétimo Selo, de Ingmar Bergman); 24 anos mais tarde, com o já citado O Homem de Ferro, arrebatou a Palma de Ouro.
UM AMOR
NA ALEMANHA
O impacto dos filmes de Wajda acabou por abrir-lhe as portas da produção de outros países, nomeadamente França e Alemanha. Até porque com O Homem de Ferro obteve uma terceira nomeação para o Oscar de melhor filme estrangeiro, depois de Terra Prometida e Mulheres, respectivamente de 1975 e 1979 (seria ainda nomeado em 2008, com Katyn). Assim, realizou: O Caso Danton (1983), com Gérard Depardieu, evocando a Revolução Francesa; Um Amor na Alemanha (1983), com Hanna Schygulla, sobre a relação amorosa de uma mulher alemã com um prisioneiro de guerra polaco; e Os Possessos (1988), adaptação de Dostoievsky, com Isabelle Huppert e Omar Sharif.
Tais produções não serão dos seus trabalhos mais conseguidos, mesmo se ilustram uma vontade indómita de compreender os destinos humanos para além dos clichés, descritivos ou morais, que podem reduzir a história a uma colecção de vinhetas mais ou menos deterministas. Terá sido esse olhar que o levou a conceber o seu derradeiro filme, Powidoki, sobre o pintor vanguardista Wladyslaw Strzeminski (1893-1952) e os seus conflitos com as autoridades políticas. Divulgado internacionalmente com o título Afterimage, Powidoki é o representante da Polónia na corrida para uma nomeação para o Oscar de melhor filme estrangeiro, a atribuir em Fevereiro de 2017.