O "western", afinal, não desapareceu... mas as glórias dos clássicos não se repetem facilmente — este texto foi publicado no Diário de Notícias (22 Setembro), com o título 'Hollywood tenta refazer as glórias dos grandes westerns'.
Que é feito das histórias do velho Oeste americano? Pode dizer-se que os “westerns” têm passado por um atribulado processo de sobrevivência, em parte semelhante ao dos filmes musicais. Por um lado, há várias décadas que tanto os musicais como os “westerns” deixaram de ser produtos regulares dos grandes estúdios de Hollywood; por outro lado, cada vez que surge um título de qualquer um dos géneros, instala-se uma expectativa nostálgica: será desta que vamos assistir a uma nova vaga revivalista? Os Sete Magníficos surge marcado por essa ansiedade que é também, inevitavelmente, uma expectativa comercial.
Em vésperas da estreia global do filme, a “bíblia” de Hollywood, Variety, tratava mesmo Os Sete Magníficos como uma derradeira esperança para contrariar a fraca performance comercial de títulos recentes que procuraram relançar alguns sucessos das últimas décadas (o terror de Blair Witch e as comédias românticas de Bridget Jones). Estamos, de facto, perante o remake de uma produção homónima, lançada em 1960, com realização de John Sturges e um elenco dominado por nomes muito populares como Yul Brynner, Steve McQueen e Charles Bronson.
Resta saber se as eventuais boas receitas de Os Sete Magníficos corresponderão a um genuíno relançamento do “western”. Isto porque a realização de Antoine Fuqua parece interessar-se muito pouco pelas raízes temáticas do “western”, preferindo antes criar uma antologia de “números” mais ou menos aparatosos que transformam o filme numa banal manta de retalhos.
Assistimos, assim, à simplificação de uma intriga cuja primeira inspiração, tanto em 1960 como agora, está no clássico japonês Os Sete Samurais (1954), de Akira Kurosawa. Tudo acontece a partir da situação de repressão a que é sujeita uma pequena comunidade: sem recursos humanos ou bélicos para enfrentar os interesses do perverso Bartholomew Bogue, os habitantes da aldeia de Rose Creek pedem auxílio a Sam Chisolm, um caçador de prémios que irá reunir mais seis aventureiros para enfrentar Bogue.
Mesmo esquecendo a excelência de Kurosawa (com a qual, aliás, o filme de Sturges estava longe de rivalizar), o trabalho de Fuqua vai-se reduzindo a uma criação de figuras estereotipadas que nem sequer adquirem consistência no plano meramente icónico. A composição de Bogue por Peter Sarsgaard é sintomática: actor de subtil talento (vimo-lo, este ano, nesse filme admirável que é Experimenter, de Michael Almereyda), Sarsgaard interpreta a sua personagem num registo involuntariamente caricatural, muito longe da sugestão maligna que perpassava pela presença de Eli Wallach na figura equivalente da versão de 1960.
Denzel Washington assume a personagem de Chisolm que, no filme de Sturges, pertencia a Yul Brynner, com o nome de Chris Adams (todos os nomes foram alterados), deixando também a sensação de que o seu talento merecia algo mais. Na primeira meia hora do filme, Fuqua bem se esforça por criar um clima visual que tenta imitar uma certa iconografia de grandes planos de rostos, aparentemente decalcada dos mais célebres “westerns-spaghetti” de Sergio Leone, com destaque para Aconteceu no Oeste (1968). O certo é que o esquematismo das suas opções desemboca no longo confronto final que, de tão visualmente artificioso e dramaticamente desconexo, mais não consegue do que repetir os lugares-comuns de muitas produções de “super-heróis”.
Residirá aí a questão fundamental: a nova versão de Os Sete Magníficos não foi feita a partir de qualquer releitura (romanesca, ideológica... o que se quiser) do “western” clássico, encarando as memórias do Oeste como uma paisagem “pitoresca” a partir da qual seria possível, automaticamente (?), fazer renascer a energia do espectáculo. De facto, tal não é possível, quanto mais não seja porque, em nome da mitologia ou da sua desmontagem, o “western” integra uma visão abrangente dos dramas que marcaram a consolidação da grande nação americana e, em particular, as convulsões da expansão para Oeste.
John Ford |
No período “maccartista”, com tantos reflexos dramáticos na vida interna de Hollywood, Joseph L. Mankiewicz (Eva, Júlio César, A Condessa Descalça, etc.), então presidente da associação de realizadores (Directors Guild of America), foi acusado de simpatias “comunistas” por Cecil B. De Mille (Os Dez Mandamentos) que, na altura, quis mesmo impor a assinatura de uma “declaração de lealdade” como condição prévia de admissão na associação. A intervenção de De Mille acabou por gerar algo bem diferente — um voto de confiança em Mankiewicz —, graças a um célebre discurso de John Ford cujas palavras de abertura ficaram para a história como um austero auto-retrato: “Chamo-me John Ford. Faço westerns”.
Chegámos a um ponto em que nem Antoine Fuqua nem qualquer outro cineasta parece ter condições (ou empenho) para proclamar algo do mesmo teor. Como é óbvio, não podemos esquecer Clint Eastwood que, com o seu Imperdoável, terá assinado uma espécie de requiem, amargo e desencantado, pelas glórias perdidas do velho Oeste — mas convém não esquecer que já lá vão 24 anos...
Aliás, importa também recordar que, em 1960, Os Sete Magníficos constituía um objecto esteticamente perverso em que o “western” funcionava como uma chancela clássica apostada em integrar o fôlego épico e uma certa grandiosidade de meios de produções bem diferentes (1959, por exemplo, tinha sido o ano de consagração de Ben-Hur). Por bizarra ironia, na nova versão, a memória mais forte dessa época surge apenas no genérico final, com a utilização do tema musical do filme de Sturges, composto por Elmer Bernstein — na sua contagiante energia [video montagem], acaba por ser um sinal revelador de um gosto de espectáculo que, infelizmente, se perdeu.