Estranhamente, no espaço televisivo gastam-se horas e horas a falar de resultados "justos" e "injustos", mas quase ninguém discute a representação pública dos dinheiros do futebol — esta crónica de televisão foi publicada no Diário de Notícias (12 Agosto), com o título 'O futebol e a sua ética'.
* Há qualquer coisa de incongruente no modo como, quase sempre, o imaginário televisivo celebra a circulação do dinheiro no mundo do futebol. Em particular nesta altura de pré-época, os movimentos financeiros mais parecem uma espécie de burlesco jogo de “Monopólio”. Ao longo dos anos, assistimos mesmo a discursos que, em nome do seu clubismo, gostam de proclamar que “o meu clube gastou mais que o teu”...
* Que não se leia nestas palavras qualquer insinuação sobre a transparência dos dinheiros do futebol. Clubes e empresários têm, por certo, meios para tais negócios — não é disso que aqui se trata. Acontece que noutros domínios, a começar pela política, não há tilintar de um centavo que não atraia as mais diversas formas de especulação moral.
* Daí a pergunta: porque é que na dramaturgia televisiva do futebol, tão imbuída de um espírito de justiça moral em relação a golos e resultados, não há qualquer reflexão ética sobre o dinheiro?
* Seria interessante, em particular, interrogar os jogadores que, com pendular comoção, caem numa contradição que nunca ouvi ninguém questionar (e peço desculpa se há exemplos que desmintam esta minha generalização). Não se contesta a legitimidade das respectivas opções profissionais. O certo é que esses jogadores chegam a um clube, apressando-se a proclamar o seu “amor” pela instituição, pelos adeptos, pelo estádio e todas as suas pedrinhas... Um ou dois anos mais tarde, ei-los a aceitarem serenamente os milhões de outro clube, partindo, claro, com o “coração” despedaçado...
* Não seria jornalisticamente interessante confrontá-los com esta demagogia de telenovela requentada, já agora perguntando-lhes porque é que não ficam no clube onde estão? Pelo caminho, valerá a pena perguntar aos próprios adeptos como é que esta festiva volubilidade financeira preserva (ou não) os valores de cada clube.