Acontecimento maior na história recente do cinema português, Cartas da Guerra, de Ivo M. Ferreira, baseado em D'este Viver Aqui Neste Papel Descripto/Cartas da Guerra, de António Lobo Antunes, tem estreia marcada para 1 de Setembro.
Subitamente, somos confrontados com uma questão esquecida: como é que se fala o português nos filmes portugueses?
A questão não é teórica, muito menos abstracta, mas eminentemente social. Afinal de contas, em Love on Top e, de um modo geral, nos espaços da "reality TV", somos todos os dias agredidos pela metódica decomposição do falar português, e até da simples arte de falar — importa reagir a essa violência normalizada.
As cartas escritas pelo autor são terreno de uma intimidade em filigrana, como lembram Maria José Lobo Antunes e Joana Lobo Antunes no prefácio do livro: "As cartas deste livro foram escritas por um homem de 28 anos na privacidade da sua relação com a mulher, isolado de tudo e todos durante dois anos de guerra colonial em Angola, sem pensar que algum dia viriam a ser lidas por mais alguém. Não vamos aqui descrever o que são essas cartas: cada pessoa irá lê-las de forma diferente, seguramente distinta da nossa. Mas qualquer que seja a abordagem, literária, biográfica, documento de guerra ou história de amor, sabemos que é extraordinária em todos esses aspectos." O cinema é, por isso, aquilo que chega no futuro do livro, refazendo-o, pela sua magia narrativa, para o nosso presente — este é, afinal, um filme que nos faz sentir que as palavras que alguém legou acontecem também como matéria viva daquele que lê ou vê.