Tempos difíceis. Tempos de angustiado humor. Philippe Sollers continua a escrever livros magníficos sobre a sua/nossa sociedade submetida ao "império dos simulacros" (é assim que ele designa a televisão), feita de muitas relações de indivíduos que já não vêem o movimento — e que, desse modo, perderam a singularidade que, justamente, os individualizava.
>>> Pascal, matemático místico, escreveu coisas deste género:
"Quero mostrar-vos uma coisa infinita e indivisível: é um ponto que se move por todo o lado a uma velocidade infinita, porque está em todos os lugares e está, por inteiro, em cada lugar."
Será que o leitor vê este movimento? Não? tanto pior.
[pág. 41]
Mouvement (ed. Gallimard, 2016) é esse romance construído sob o signo de Hegel (La vérité est le mouvement d'elle-même en elle-même — eis a citação de abertura) em que a observação mais íntima convive com aqueles que arriscaram pensar os limites, todos os limites. Tudo assombrado (o assombramento é, aqui, uma coisa feliz) pela presença imensa, incansável e sem cansaço, silenciosa e convulsiva, desses objectos de todos os futuros que são os livros.
>>> (...) os verdadeiros livros, radicalmente acordados, dormem de punhos cerrados, é a sua força. Estes blocos de sono são de uma lucidez incrível. Sei onde encontrá-los e como lhes falar.
[pág. 59]
Os livros de Sollers dos últimos anos (no limite, talvez toda a sua obra) podem ser percorridos como capítulos abertos, mas formalmente delimitados, de uma intransigência de viver e escrever que envolve sempre a defesa da irredutibilidade da própria escrita. Ele vive, afinal, essa memória magoada de um tempo em que escrever era uma arte de viver, não uma mensagem cifrada de telemóvel — vale a pena referir que, na gíria adoptada na língua francesa, um SMS é um texto [têxtô]. Em causa está a administração literária da solidão, esse admirável mecanismo de reconhecimento do outro.
>>> Ela não dorme se não recebeu o seu texto. Bruscamente, inventa um encontro profissional importante: texto. Dir-se-ia que é o seu ADN que a convoca, está pronta a sacrificar tudo por um virtuoso do texto. Já não lê mais nada a não ser as suas mensagens, os livros são demasiado longos e demasiado difíceis, baralham-se perante os seus olhos. A televisão, a rádio, o telefone vocal são desertos de aborrecimento. Tão convincente como a cocaína: o texto flash.
[pág. 138]
[pág. 138]