1. Há qualquer coisa de tragicamente sarcástico no facto de os dias de glória da selecção portuguesa de futebol serem, no contexto europeu, pontuados por muitas tomadas de posição contra o carácter (i)moral do novo emprego de Durão Barroso — de presidente da Comissão Europeia para o banco Goldman Sachs. Há mesmo um sentimento muito forte, e muito legítimo, que vê na "transferência" de Barroso um anti-europeísmo que se condensa no título que aqui utilizo (que, com a devida vénia, copio de um texto editorial do jornal Le Monde).
2. Neste contexto de festa e patriotismo (podemos discutir os respectivos excessos, mas essa é, em qualquer caso, outra questão), a viragem (?) de Durão Barroso, para além de ignorar as fronteiras obrigatórias da política e do mundo financeiro, representa um golpe profundo nos mecanismos de crença que, de uma maneira ou de outra, devem reger as relações do cidadão comum com as figuras públicas de qualquer domínio. No Diário de Notícias, André Macedo já o disse com todas as letras: "Durão nunca foi um servidor do interesse público", enquanto Paulo Baldaia o define a partir dos sentimentos de "vergonha e pena".
3. A situação é tanto mais delicada quanto nos permite compreender que, hoje em dia, para o melhor e para o pior, a definição de qualquer identidade nacional passa pelos efeitos públicos e, sobretudo, mediáticos das acções de cada um — por vezes, corre-se mesmo o risco de a afirmação individual ou colectiva apenas existir através de tais efeitos. Pedagogicamente, e também cruelmente, a caminhada de Durão Barroso mostra-nos, enfim, a fragilidade de qualquer noção utópica de patriotismo.