Eis um filme sobre Pelé que, desgraçadamente, nem sequer construir uma perspectiva formalmente consistente sobre o próprio futebol — este texto foi publicado no Diário de Notícias (21 Julho), com o título 'Futebol e populismo'.
Por certo motivada pelas recentes convulsões do Euro de futebol, a estreia do filme Pelé: o Nascimento de uma Lenda, realizado por Jeff e Michael Zimbalist (irmãos americanos com uma carreira sobretudo na área do documentarismo televisivo) traz à memória um outro filme — Fuga para a Vitória (1981), de John Huston — em que o próprio Pelé participou como actor, contracenando com Michael Caine e Sylvester Stallone; nele se narrava a odisseia de um grupo de prisioneiros num campo alemão, durante a Segunda Guerra Mundial, que utilizavam um jogo de futebol (contra os próprios alemães) para montar uma fuga espectacular.
Há uma estranha componente a unir os dois filmes: ambos encenam de forma superficial, involuntariamente anedótica, os lances do futebol. No primeiro caso, por certo um dos momentos menos felizes da notável filmografia de Huston, o jogo reduz-se a uma acumulação de piruetas físicas que, na melhor das hipóteses, podem fazer lembrar alguns movimentos do futebol americano; agora, o futebol surge como uma curiosidade mais ou menos pitoresca, afogada no miserabilismo populista com que é encenada a juventude do protagonista.
Eis um paradoxo que dá que pensar: por um lado, somos todos os dias visados por uma informação televisiva que transformou o futebol em instrumento de medida da actividade humana (“a equipa trabalhou muito bem”), celebrando-o como padrão único e asfixiante do conceito de patriotismo; por outro lado, o cinema revela uma patética incapacidade para lidar com a especificidade do jogo, como se só o pudéssemos apreciar através da mitificação simplista dos seus intérpretes. No final de Pelé: o Nascimento de uma Lenda, as imagens de arquivo têm mais intensidade e transportam mais emoção que qualquer momento do próprio filme.