MICHAEL KOUNTOURIS Virtual Brexit 22 Junho 2016 |
De que falamos quando falamos de Europa?... E, afinal de contas, quando dizemos, repetimos e repetimos a palavra "Brexit", será que estamos todos a falar do mesmo?...
Seguramente que não, quanto mais não seja porque os dias seguintes nos fazem sentir, mais do que nunca, que não há nenhuma argamassa (europeia, justamente) que nos faça dizer o mesmo pelas mesmas palavras. Este extraordinário cartoon do grego Michael Kontouris (publicado na véspera do referendo no Reino Unido) condensa os nossos silêncios, receios e perplexidades — e se vogássemos todos num mar virtual de ideias? Ou numa galáxia de ideias virtuais?
Mais do que nunca, importa olhar o espaço televisivo e perguntar também que Europa vemos e, sobretudo, que Europa construímos através dos discursos, imagens e sons dominantes no pequeno ecrã e na sua plural e perversa ubiquidade — esta crónica foi publicada no Diário de Notícias (25 Junho), com o título 'A Europa mental'.
União Europeia |
Por vezes, as coisas mais evidentes são também as que menos vemos. Porque recusamos olhá-las? Não necessariamente. Antes porque as olhamos como dados adquiridos, ilusoriamente transparentes, no pressuposto de que compreendemos automaticamente o que são, o que significam, como nos afectam ou transformam.
Assim a Europa, por exemplo. Dir-se-ia que, por vezes (muitas vezes?), a Europa a que dizemos pertencer já nem sequer nos convoca como coisa nítida. É apenas uma coisa, precisamente — uma coisa cujos sentidos, significações ou ambiguidades já não nos tocam, muito menos mobilizam.
Veja-se televisão. E pense-se um pouco na sua presença nas nossas vidas. Observe-se o labirinto de questões suscitado pelas relações futuras entre Reino Unido e União Europeia. Contemplem-se as imagens de refugiados que já se tornaram uma espécie de rotina amarga, sempre tão longe no ecrã, tão perto na perturbação. Enfim, não nos esqueçamos das convulsões desportivas e urbanas do Europeu de futebol, empolando até à histeria mais gritada (literalmente, sem metáfora...) as noções de patriotismo.
Reino Unido. Refugiados. Futebol. Que linha temática podemos desenhar para ligar estes elementos obsessivos das nossas notícias? Pois bem, todos eles nos falam da nossa Europa, do modo como a percebemos e imaginamos. Ou ignoramos.
Televisivamente, nada disso parece acontecer como evento realmente palpável. São fogachos que circulam, breves clips que alimentam uma ilusão de realismo logo diluída no poder imenso, ritmado e abrangente, das mensagens publicitárias. Na melhor das hipóteses, a Europa mental que construímos através das mensagens televisivas confunde-se, precisamente, com um clímax, breve e ilusório, de natureza publicitária. Desapareceu o sentimento de sagrado, excepto na religião do futebol que, por certo, nos libertará. De quê? Ninguém sabe.