Não um filme-catástrofe, mas uma catástrofe de filme: a sequela de O Dia da Independência é um triste e aparatoso desastre — este texto foi publicado no Diário de Notícias (23 Junho), com o título 'O impasse criativo dos “blockbusters”'.
Será que ainda há alguma réstea de imaginação nos “blockbusters” de Verão? Convenhamos que perante a calamitosa mediocridade de O Dia da Independência: Nova Ameaça a resposta só pode ser negativa. Dir-se-ia que já não há sequer o gosto de criar personagens que dêem alguma hipótese criativa a um respeitável leque de actores (Jeff Goldblum, Bill Pullman, Sela Ward, Judd Hirsch, Charlotte Gainsbourg, etc.). Tudo se passa como se o filme tivesse sido entregue ao departamento de efeitos especiais, de tal modo parece haver mesmo quem acredite que a destruição digital de uma grande cidade em 10 segundos constitui um automático clímax dramático...
Não é simples abordar estas questões, até porque existe o preconceito fortíssimo segundo a qual a crítica menospreza, por princípio, os “blockbusters”. Qual crítica? A mesma que, em 1975, quando a idade dos “blockbusters” começou com o admirável Tubarão, de Steven Spielberg, era insultada na praça pública por se interessar pelas manifestações do “imperialismo americano”?
Mesmo não esquecendo que, ao longo das décadas, tem havido filmes admiráveis que partem dos pressupostos artísticos e comerciais que definem os chamados “blockbusters” de Verão, O Dia da Independência: Nova Ameaça ilustra a trágica degradação de todo um conceito de espectáculo. A começar pela noção de sequela.
A banalidade digital
Estamos, assim, perante a continuação de Dia da Independência (1996), também produzido e realizado por Roland Emmerich. Nesse caso, tratava-se de encenar uma invasão de “aliens” que punha em causa a sobrevivência do planeta Terra — os resultados eram visualmente exuberantes, distinguindo-se por uma mistura de dramatismo e humor que, apesar dos grandiosos meios de produção, fazia lembrar o espírito dos pequenos filmes de “série B” dos anos 50. Agora, o esquematismo das situações parece decorrer apenas da preocupação de criar “números” de espectáculo que se bastam a si próprios, nunca conseguindo superar a estética (?) repetitiva do mais banal jogo de vídeo.
Um dos aspectos mais desconcertantes de produções deste género é a incapacidade para fazer valer os próprios recursos técnicos que têm ao seu dispor (165 milhões de dólares de orçamento não é coisa banal...). O digital passou a ser uma solução, simplista e preguiçosa, para fabricar pequenos “eventos” visuais totalmente estranhos à presença física dos actores — em muitas cenas, temos mesmo a sensação de que os actores são apenas filmados em planos aproximados, de modo a que as suas imagens possam ser “alternadas” com as constantes destruições de cenários digitais, para mais através de uma aplicação banal do 3D.
Bem sabemos que, desde os tempos gloriosos de E Tudo o Vento Levou (1939) até ao requinte de títulos como Missão Impossível: Nação Secreta (2015), o grande espectáculo é indissociável de vistosos aparatos técnicos e cenográficos. Não é isso que está em causa. O que se discute é a redução do espectáculo, precisamente, a uma colagem de explosões e ruídos que talvez dessem para sustentar um spot publicitário de breves segundos... Este é, aliás, um daqueles filmes que parece estar todo “explicado” no respectivo trailer.