Angelina Jolie reaparece como realizadora, assinando e interpretando o brilhante By the Sea; infelizmente, as opções do mercado impuseram um lançamento directo em DVD — este texto está publicado no nº 38 da revista Metropolis.
Há qualquer coisa de bizarro e, num certo sentido, incómodo na descoberta de By the Sea (título português: Junto ao Mar), terceira longa-metragem de ficção realizada por Angelina Jolie, directamente no mercado do DVD. Daí a desencantada pergunta que, mesmo sem respostas seguras, importa formular: que está a acontecer no espaço público do cinema (português e não só) quando um filme, dirigido e interpretado por alguém como Angelina Jolie, na companhia do seu marido Brad Pitt, é objecto de tão desconcertante secundarização?
Enfim, importa não alimentarmos qualquer falsa ingenuidade. Ninguém está a sugerir que a imagem mais estereotipada de Jolie (uma espécie de “eterna” Lara Croft) se adequa a Junto ao Mar ou que, em última instância, poderia servir para promover o filme junto dos seus espectadores potenciais. Nada disso. Este é mesmo um exemplo de um cinema de invulgar pulsação intimista, alheio a qualquer look da moda, com um timing narrativo tão delicado e subtil que faz mesmo lembrar algumas experiências revolucionárias dos anos 60, em particular de um autor como o italiano Michelangelo Antonioni (A Aventura, A Noite, O Eclipse).
Em termos simples, digamos, então, que estamos perante a história de um casamento exposto aos seus mais radicais silêncios. Em meados da década de 1970, o cenário de uma praia esquecida do Sul de França (de facto, a rodagem decorreu na ilha de Malta) acolhe Vanessa (Jolie), uma ex-bailarina que parece perdida na nostalgia da arte que já não pratica, e o marido Roland (Pitt), escritor confrontado com a angústia da página em branco. A expectativa romântica — a reconciliação afectiva de Vanessa e Roland — vai-se transfigurando num insólito processo de redescoberta que encontra uma espécie de espelho, material e simbólico, num outro par (interpretado por Mélanie Laurent e Melvil Poupaud).
Através de uma admirável depuração dos tempos narrativos, este é um filme em que o “nada” que acontece se vai consolidando como uma arquitectura de afectos em que cada personagem se revela muito para além das aparências que cultiva. Dir-se-ia um filme de análise psicológica, mas é, sobretudo, uma fascinante peça dramática sobre a física e a metafísica de uma relação a dois (ou, como sugeria Freud, a quatro...)
Depois de Na Terra de Sangue e Mel (2011) e Invencível (2014), Angelina Jolie confirma-se, assim, como uma cineasta de muitas singularidades, além do mais conseguindo neste caso, a partir de um argumento minimalista (também de sua autoria), concretizar um projecto alheio às convenções da sua imagem de marca e também à facilidade de qualquer moda cinematográfica ou mediática. Filme com ambíguas componentes autobiográficas?... Não nos precipitemos em jogos fúteis, cúmplices da desavergonhada mediocridade da imprensa cor de rosa. Registe-se apenas que, desta vez, ela assina: Angelina Jolie Pitt.