No dia 6 de Maio, o filme Purple Rain, com Prince, foi objecto de uma breve reposição em cinemas de Lisboa e Porto — este texto foi publicado nesse mesmo dia, no Diário de Notícias, com o título 'Quando Prince experimentou o universo cinematográfico'.
Queixamo-nos, por vezes, e com razões muito objectivas, da inércia do mercado cinematográfico face ao imprevisto da actualidade. De facto, podemos imaginar as mais diversas formas de programação apostadas em corresponder aos temas decorrentes das notícias (e não apenas do mundo do cinema). Esta semana temos uma excepção que vale a pena sublinhar: evocando Prince (falecido a 21 de Abril), os cinemas UCI do El Corte Ingles (Lisboa) e Arrábida (Porto) vão exibir amanhã o filme Purple Rain (dia 6: 19h00 e 21h30).
Sem que isso minimize o génio musical de Prince Rogers Nelson (bem pelo contrário... ), talvez seja pedagogicamente útil relembrar que a sua herança cinematográfica está longe de ser brilhante. Ao mesmo tempo, não deixa de ser uma herança sintomática do seu sentido visionário: numa altura de espectacular reconversão dos parâmetros do universo musical, nomeadamente através do aparecimento da MTV (cujas emissões tinham arrancado em Agosto de 1981), Prince foi um dos primeiros — a par de Madonna, David Bowie ou os Rolling Stones — a compreender a importância de uma diversificação visual e mediática em que, obviamente, muito antes do YouTube ou Facebook, o cinema emergia como o território principal.
Purple Rain surgiu, assim, em 1984, como veículo de celebração da imagem de Prince, criador e intérprete de canções. Rezam as crónicas que o conceito foi desenvolvido ao longo da digressão de lançamento do álbum 1999 (o quinto da sua discografia, lançado em 1982), envolvendo a criação de um enredo mais ou menos romanesco, centrado na personagem de Prince (“The Kid”), um músico de Minneapolis, e em particular no seu romance com a cantora Apollonia, nome derivado da própria intérprete, Apollonia Kotero (a que Prince dera a liderança do grupo vocal Apollonia 6, por sua vez uma reinvenção de Vanity 6).
A realização de Alberto Magnoli, também responsável pela história (em colaboração com William Blinn), obedece a uma lógica “descritiva” em que as peripécias do argumento (muito ligeiras, por vezes algo desconexas) são sempre menos importantes do que os momentos especificamente musicais. “The Kid” é, assim, uma figura em permanente deambulação na sua emblemática moto Honda CM400 (modelo lançado em 1981), encarnando uma certa nostalgia cinéfila “on the road” (Easy Rider surgira em 1969) que, em todo o caso, desta vez, se projecta por inteiro na celebração da música.
Purple Rain foi mesmo um caso exemplar de colaboração estratégica dos mercados musical e cinematográfico, já que o filme surgiu nas salas dos EUA a 27 de Julho de 1984, um mês e dois dias depois do lançamento do álbum homónimo. Para a história, Purple Rain ficou como uma primorosa colecção de canções, incluindo o tema-título e ainda, por exemplo, Let’s Go Crazy, When Doves Cry e I Would Die 4 You. Nas salas portuguesas, o filme surgiu em 1985 como Viva a Música! — um título não muito inspirado que, agora, em todo o caso, pode resumir a nossa admiração pela herança de Prince.