No futebol televisivo, o prazer do jogo está a ser frequentemente substituído por discursos mais ou menos insultuosos em que o gosto de ver já não conta — este texto foi publicado no Diário de Notícias (20 Maio), com o título 'A morte do social'.
[ 'A cultura do futebol' ]
[ 'A cultura do futebol' ]
1. Da política ao futebol, o calendário social passou a estar dominado por “factos” que conseguem ocupar tempos imensos da oferta televisiva. Assim, um congresso de um partido político ou um jogo de futebol já não são tratados como se cada um deles fosse um acontecimento. Aliás, se acontecimento existe, já não damos por ele, de tal modo a sua identidade surge emparedada por discursos que tendem a esvaziar as suas potenciais significações: primeiro, porque o seu tratamento começa em mil e uma antecipações (“antecipar” passou a ser um modo pueril de “noticiar”) que transformam a informação numa colagem arbitrária de redundâncias; depois, porque o pós-acontecimento é vivido através de noções banalmente deterministas (sensíveis no modo como as “reportagens” de rua passaram a ser construídas a partir de interpretações incutidas nos entrevistados).
2. Sintomático é o facto de muitos discursos jornalísticos, recusando pensar a complexidade do mundo a que pertencem, terem passado a usar as “redes sociais” como matéria noticiosa obrigatória, não poucas vezes emprestando-lhes a dimensão de dogma alheio a qualquer factor humano. Se o social é esse labirinto de ideias, valores e práticas que, melhor ou pior, se constrói e reconstrói através das relações humanas, as suas singularidades estão a ser metodicamente anuladas pelo privilégio jornalístico que é conferido à formatação televisiva de todos os comportamentos. Chegámos ao ponto em que a importância do que quer que seja se mede (ou sugere) em função do ruído que provoca em televisão ou, na Internet, através do número de links que consegue gerar.
3. A exigência do olhar e o prazer da escuta estão em crise em televisão. Entenda-se: olhar, sentindo que não podemos ver tudo; escutar, sabendo que o som pode ser mais realista que a imagem. Por vezes, temos a sensação triste de que tal crise passou a ser um método televisivo.