STELLA ADLER (1901-1992) |
Listen to Me Marlon é um notável documentário em que Marlon Brando surge através de registos sonoros das suas próprias palavras — este texto foi publicado no Diário de Notícias (18 Abril), com o título 'A alma de Stella Adler'.
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A certa altura, o filme Listen to Me Marlon apresenta um registo de Stella Adler (naquilo que parece ser uma aula com algum público a assistir) em que ela resume o trabalho que se pede ao actor: “A peça não tem nada a ver com palavras. Não se representa com palavras, representa-se com a alma.”
Bem sabemos que as grandes noções metafísicas, “alma”, “felicidade”, “dignidade”, têm sido grosseiramente banalizadas pelo imaginário televisivo — no futebol, por exemplo, sempre que uma equipa portuguesa perde de forma concludente com alguma formação estrangeira, a derrota tende a ser descrita como um desastre muito “digno” (será que os vencedores foram “indignos” apenas por terem sido melhores?...).
Acontece que Adler fala a partir de um contexto criativo em que a palavra alma não é um detalhe mais ou menos frívolo para disfarçar a inanidade das ideias. A singularidade do actor que ela defendia — e de que Marlon Brando terá sido a mais radical concretização — implica uma tão radical entrega do corpo que, no limite, o seu efeito já pertence a uma outra dimensão (a que, justamente, podemos dar o nome de “alma”). Por alguma razão, quando evoca a sua participação em Revolta na Bounty (1962), Brando reconhece que aquele é o tipo de filme em que não quis voltar a aparecer: quando o actor não é convocado para desafiar os enigmas da própria personagem, apenas para a “ilustrar”, faz, literalmente, figura de corpo presente.
Quando vemos, agora, grandes actores perdidos nos clichés dos super-heróis (por exemplo: Robert Downey Jr. vestido com o fato metálico do Homem de Ferro), não podemos deixar de perguntar se os espectadores estão a ser (des)educados para já não saber como olhar Brando e os seus pares. Se assim for, então o cinema está a perder a sua alma.