sábado, abril 16, 2016

Jodie Foster + "Taxi Driver"

Os 40 anos de Taxi Driver trazem-nos memórias muito especiais, em particular de Jodie Foster, na altura com 12 anos de idade — este texto foi publicado no Diário de Notícias (10 Abril), com o título 'Memórias de uma menina exemplar'.

É uma das mais desconcertantes efemérides do ano cinematográfico: Taxi Driver, obra-prima de Martin Scorsese, celebra nada mais nada menos que 40 anos (a estreia americana ocorreu em Fevereiro de 1976, tendo chegado às salas portuguesas cerca de um ano mais tarde). Este é um daqueles filmes que admiramos muito para além de qualquer aspecto “datado” — vemos e revemos Travis Bickle, o assombrado motorista de taxi de Nova Iorque, interpretado por Robert De Niro, e sentimos a sua odisseia como coisa próxima, fisicamente perturbante, moralmente incontornável.
O principal evento das comemorações está agendado para 21 de Abril, no Festival de Tribeca (certame de que De Niro é fundador e mentor) e reunirá os nomes principais do filme. Antecipando essa reunião, a revista The Hollywood Reporter publicou uma fascinante antologia de memórias, resultante de um encontro em que, além de Scorsese e De Niro, participaram o produtor Michael Philips, o argumentista Paul Schrader, o director de fotografia Michael Chapman, e as actrizes Cybil Shepherd e Jodie Foster.
A saga de Foster, intérprete da jovem prostituta Iris, que Bickle tenta resgatar da sua existência mercantil, envolve componentes muito específicas. Convém lembrar que tinha 12 anos e era um símbolo infantil mais ou menos ligado ao imaginário Disney (embora, em 1974, já tivesse sido dirigida por Scorsese em Alice Já Não Mora Aqui). Recorda ela que, quando a mãe recebeu o argumento, enviado por Scorsese, “pensou que ele tinha enlouquecido”... O certo é que a mãe confiou no realizador, as questões legais que a situação envolvia foram resolvidas e Foster ficou inscrita num momento único da história moderna do cinema americano: “Sinto-me profundamente grata por ter feito parte de algo que é um verdadeiro clássico americano, um momento da idade de ouro do nosso cinema que, para mim, realmente, é a década de 70.”
A trajectória de Foster superou de modo exemplar a condição de menina prodígio de Hollywood, impondo-a como uma singularíssima actriz adulta. Não sem evidentes sobressaltos: artisticamente, a sua adolescência foi vivida entre o regresso ao universo Disney (O Tesouro do Castelo, 1977) e alguns projectos de um pitoresco não muito feliz (Hotel New Hampshire, 1984). As coisas mudaram com Caminhos Cruzados (1987), de Tony Bill, belo exemplo da mais genuína produção independente, desembocando nas interpretações que lhe valeram dois Oscars de melhor actriz: Os Acusados (1988), de Jonathan Kaplan, e O Silêncio dos Inocentes (1991), de Jonathan Demme.
Isto sem esquecer, claro, que Foster construiu também uma exemplar filmografia como cineasta, com títulos tão subtis como Mentes que Brilham (1991), Fim-de-Semana em Família (1995) e O Castor (2011). A sua realização mais recente, Money Monster, com George Clooney e Julia Roberts, um “thriller” em ambiente televisivo, poderá muito bem estar, em Maio, no Festival de Cannes [já depois da publicação deste texto, o filme surgiu na selecção oficial do certame, extra-competição].