Organizado pela Leopardo Filmes, um ciclo dedicado ao Grande Cinema Russo está a decorrer em Lisboa [Espaço Nimas] e Porto [Teatro do Campo Alegre], testemunhando uma cronologia insólita, paradoxal e fascinante, resumida no seu subtítulo: 'Do mudo à Perestroika'. São reencontros e descobertas para nos ajudar a compreender que, mesmo com toda sua riqueza, a produção anglo-saxónica não basta para acedermos à pluralidade dos filmes e das suas histórias — este texto foi publicado no Diário de Notícias (20 Abril), com o título 'Saudades de Tchekhov'.
Um dos efeitos mais perversos do poder do cinema americano nos mercados globais é o apagamento das suas próprias diferenças interiores. De facto, é dos EUA que continuam a surgir algumas das mais fascinantes propostas cinematográficas, plurais e contraditórias, mas o espectador médio tende a reduzir a produção americana à rotina mais ou menos ruidosa dos “blockbusters”.
Sergei Eisenstein (1898-1948) |
E se Eisenstein ou Dziga Vertov nos ajudam a pensar a política para além dos códigos da própria cena política, há cineastas como Elem Klimov (lembremos o prodigioso Adeus a Matiora) cuja visão do tecido social vem enriquecer as reflexões contemporâneas em torno de um realismo que não se entregue ao pitoresco televisivo. Isto sem esquecer que através de outros, como Nikita Mikhalkov (Olhos Negros), reencontramos a mais nobre tradição “tchekhoviana”. Em boa verdade, a nostalgia ensina-nos que esta é uma história que começa na arte da escrita, antes ainda de haver máquinas de filmar.