segunda-feira, fevereiro 01, 2016

Novas edições:
Shearwater, Jet Plane and Oxbow

Tudo começou como uma espécie de sala de estar, onde se arrumavam alguns móveis (ler as canções mais “calmas”) que Will Sheff e Jonathan Meibug iam compondo e que não queriam arrumar nos Okkervil River. Chamaram-lhe Shearwater e o grupo foi crescendo como aventura em paralelo. Mas depois de discos como o muito aclamado Palo Santo (2006) e o belíssimo Rook (de 2008, disco no qual apostaram num aprofundar do trabalho cénico em favor da construção de telas delicadas e discretas que assim acolhiam a placidez da voz de Jonathan) os Shearwater ganharam vida própria e a atenção exclusiva de Meibug (pelo caminho Sheff saindo de cena). Com vida na Sub Pop desde Animal Joy (disco menos inspirado editado em 2012), os Shearwater começaram por ocupar o tempo de pausa entre discos de inéditos em estúdio para, em primeiro lugar, lançar um álbum de versões que, mais que apenas ser uma coleção de temas “favoritos”, procurou antes ser uma visão pessoal sobre vivências partilhadas na estrada. Assim surgiu Fellow Traveler, definido sob um conceito comporta um leque alargado de propostas (dos XiuXiu a St. Vincent), cabendo à personalidade interpretativa da banda a sugestão de uma unidade ao corpo de temas que ali reúnem, a noção de que se trata de um álbum de versões podendo mesmo não se notar à primeira vista. Depois, ainda em tempo de pausa, lançaram em 2014 Missing Islands: Demos and Outtakes 2007-2012, que não só ajudava a arrumar a casa entre as experiências já concretizadas como alargava o tempo de espera (e consequente reflexão) para a chegada de um novo disco.

Agora, quatro anos depois de um inconsequente Animal Joy, a pausa cobra dividendos ao mostrar finalmente em Jet Plane and Oxbow o momento em que os Shearwater deixam de ser a banda-arrecadação das canções não usadas dos Okkervil River e encontram, por sim, um desafio a cumprir. Cabendo à entrada em cena das electrónicas e de uma nova forma de trabalhar o som os argumentos na base do que de novo depois emerge nas canções que fazem do alinhamento do disco que pode assim discutir com Rook (o paradigma da etapa inicial) o estatuto de álbum mais significativo da carreira (até à data) dos Shearwater.

Que a opção estética, que revela uma busca de pistas em memórias de discos dos Talking Heads nos oitentas, do histórico encontro de Brian Eno com David Byrne em 1981 ou do sentido de elegância com teclados analógicos ao colo que lembramos dos Talk Talk, não nos iluda sobre o que depois representa o disco. Se musicalmente Jonathan Meibug e companheiros olharam para trás para pensar o que fazer adiante, já na hora de pensar o que dizer focaram atenções na América do presente, num álbum profundamente crítico e político que reflete sobre um país dividido, a sua relação com os seus e com os outros. Este é um álbum descrente, desencantado, por vezes quase revoltado com o universo que toma como objeto sobre o qual aqui mais não faz afinal senão um grande disco de protesto. Acende-se assim uma voz atenta, que coloca dedos na ferida, e que emerge curiosamente no Texas, um dos contrafortes políticos da América mais conservadora.

Com um single surpreendente (e bem diferente do que aquilo que até aqui tínhamos associado à banda) em Quiet Americans, a servir de perfeito aperitivo para uns Shearwater diferentes, eis que temos em Jet Plane and Oxbow não apenas mais um disco a juntar à lista de grandes momentos que janeiro de 2016 nos deu a ouvir (juntamente com David Bowie e Pete Astor), mas uma primeira grande reflexão sobre a América no ano em que se adivinha ali a eleição mais disfuncional de sempre.