terça-feira, fevereiro 16, 2016

"Ficheiros Secretos": Mulder, Scully e nós

Ficheiros Secretos regressou fiel ao seu próprio espírito — este texto foi publicado no Diário de Notícias (12 Fevereiro), com o título 'Na companhia de Mulder e Scully'.

A décima temporada de Ficheiros Secretos (Fox), quase catorze anos passados sobre o fim da temporada anterior, constitui um caso exemplar de um conceito que consegue resistir ao tempo. Dir-se-ia que, em 2002, as aventuras de Fox Mulder (David Duchovny) e Dana Scully (Gillian Anderson) tinham terminado sem continuação possível, até porque a série gerou uma multidão de descendentes (em televisão e cinema), lidando com os temas dos extra-terrestres e, convenhamos, nem sempre da forma mais interessante.
Perante a nova temporada de seis episódios (escrevo depois de ter visto os primeiros três), o menos que se pode dizer é que o criador Chris Carter — desta vez assumindo também a realização dos episódios nºs 1, 5 e 6 — soube manter o espírito do original, sem recalcar as marcas do tempo que passou.
As mais incontornáveis dessas marcas estão, obviamente, nos próprios actores: Duchovny e Anderson representam os seus papéis com um misto de desencanto e ironia face a um património de histórias de que eles, mais do que os “aliens” com que se cruzam, são os verdadeiros protagonistas. No terceiro episódio, centrado no encontro com um “monstro” desgastado com a sua encarnação humana, essa pose dramática desliza mesmo, com deliciosa felicidade, para um exuberante burlesco.
Baralham-se, assim, os dados tradicionais do idealismo de Mulder e do realismo de Scully, como se as personagens se questionassem sobre o lugar que ainda podem ocupar num mundo cujo cinismo dominante dispensa a nostalgia do seu heroísmo.
A nova temporada de Ficheiros Secretos reforça mesmo a perturbação simbólica que sempre circulou pela série: mais do que os seres de outras galáxias, são alguns humanos que, detendo os poderes da informação e da ciência, vão formatando a nossa visão do mundo. Em boa verdade, Mulder e Scully, mais do que agentes do FBI, são variações tocantes sobre as fragilidades do cidadão comum.