sábado, janeiro 02, 2016

Entrevistando José Sócrates

Não é simples fazer uma entrevista em televisão. Em todo o caso, entrevistar alguém não é o mesmo que consumar uma matança pública — este texto foi publicado no Diário de Notícias (1 Janeiro), com o título 'Como dialogar?'.

1. Porque se fazem entrevistas em televisão? Por vezes, demasiadas vezes, os profissionais que conduzem entrevistas no pequeno ecrã interessam-se por tudo menos pelo discurso da pessoa que têm à sua frente. Tem triunfado mesmo um novo método que consiste em sustentar uma entrevista, não em função desse discurso (mais ou menos motivador, não é isso que está em causa), mas através daquilo que alguém, ou muita gente, disse sobre tal pessoa. Na prática, a difícil arte de dialogar tende a submeter-se às versões mais medíocres da “voz do povo”: “Fala-se muito mal de si — o que tem a dizer sobre isso?”

2. Sintomático dos efeitos trágicos desse estado de coisas foi a avalanche de impropérios (“sociais”, pois claro) que se abateram sobre José Alberto Carvalho, na sequência da entrevista que fez a José Sócrates (TVI). Por uma vez, tivemos um jornalista realmente (leia-se: seriamente) a colocar perguntas, recusando assumir a posição de vingador encartado, mandatado para concretizar uma “sentença de morte” previamente estabelecida como obrigação televisiva. Importa, por isso, repetir o básico: Sócrates (ou qualquer outro cidadão) pode ser culpado de tudo e mais alguma coisa; o que aqui está em causa é apenas o princípio deontológico que faz do jornalismo um trabalho para conhecer o mundo, não um teatro burlesco de carrascos e vítimas.

3. Globalmente, o ano de 2015 apenas agravou este estado de coisas. Compreende-se até que proliferem os programas de entrevistas/debates, quanto mais não seja porque, em princípio, são menos dispendiosos do que, por exemplo, a produção de ficção (embora, nesse campo, os horrores mais ou menos novelescos continuem a impor a sua lei). O que se questiona é a redução do espaço televisivo a um território em que a insinuação, a chicana e o insulto podem anular os valores específicos do diálogo.